Biotecnologia na agricultura ainda é um estigma

Contribui para o melhoramento das plantas e para a qualidade da alimentação. Não é solução única, mas terá um papel fundamental num mundo com 9 mil milhões de pessoas para alimentar em 2050.

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Desmistificar o papel da biotecnologia na agricultura e aprofundar a compreensão sobre o seu contributo para uma produção agrícola mais sustentável é a proposta da IACA – Associação Portuguesa dos Industriais de Alimentos Compostos para Animais, do Innov Plant Protect e do CIB – Centro de Informação de Biotecnologia que organizam, em parceria com o PÚBLICO, a conferência “A importância da biotecnologia para a sustentabilidade da agricultura”. O evento decorre esta manhã, no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, e conta com a presença de um conjunto de especialistas agrícolas, mas também com representantes de entidades públicas e do Governo. A encerrar a conferência estará Gonçalo Rodrigues, Secretário de Estado da Agricultura.

As expectativas da organização para os debates que decorrerão ao longo da manhã são bastante elevadas, numa altura em que se discutem, a nível europeu, duas questões que poderão ter grande impacto na produção agrícola e na produtividade, e que podem igualmente pôr em causa a autonomia alimentar. Por um lado, debate-se a utilização de novas técnicas genómicas na agricultura, uma questão do especial interesse dos países da Península Ibérica, os únicos na Europa que já produzem milho transgénico e, por outro, acaba de ser adiada para Novembro a decisão da União Europeia (UE) sobre a renovação, por mais dez anos, da licença de utilização do glifosato (o herbicida mais usado em Portugal). A proposta foi votada, na passada sexta-feira, em Bruxelas, mas não obteve consenso entre os 27 estados-membros. À falta de uma maioria qualificada na próxima votação, caberá à Comissão Europeia decidir.

“Espero que os decisores políticos consigam definir um enquadramento legislativo que permita que a edição genética possa ser aplicada sem as restrições que foram impostas a outras tecnologias”, diz Jorge Canhoto. Em declarações ao PÚBLICO, o presidente do CIB adianta ainda que, no caso do glifosato, “o herbicida menos agressivo ambientalmente, espero que o bom senso prevaleça e que ele possa continuar a ser utilizado, pois é essencial para uma agricultura mais amiga do solo”.

No entanto, o secretário-geral da IACA (Associação Portuguesa Industriais de Alimentos Compostos para Animais), Jaime Piçarra, vai mais longe. “Tendo em conta a nossa dependência de matérias-primas para a alimentação animal (na ordem dos 80%) que nos torna mais expostos à volatilidade dos mercados, neste contexto geopolítico, a perda desses produtos conduz a reduções de produções, pela menor produtividade, ou seja, torna-nos mais dependentes”. Por outro lado, alerta, pode criar disrupções nas importações devido aos limites máximos de resíduos, uma vez que essas matérias-primas podem ter resíduos de substâncias que não são permitidas na UE, potenciando problemas de segurança alimentar desnecessárias. “A avaliação de risco é essencial, mas não deve ser fundamentalista e ter em conta estudos de base científica”, sublinha, acrescentando que a IACA defende uma utilização sustentável, equilibrada e que tenha em conta a garantia do abastecimento, bem como garanta aos produtores europeus que têm as mesmas ferramentas que os seus homólogos no mercado mundial.

Questionado sobre a possibilidade de manter a utilização do glifosato na produção agrícola e, em paralelo, recorrer a técnicas genómicas para intensificar a produção, Pedro Fevereiro, não tem dúvidas de que a resposta é positiva. Para o director executivo do laboratório colaborativo InnovPlantProtect, são duas tecnologias complementares.
“O glifosato é um herbicida – dos menos perigosos no mercado - que actua numa via de síntese que só existe em plantas e tem diversas utilidades, sendo a primeira o controlo de plantas ditas infestantes que competem com as culturas pelos recursos, mas que pode também ser utilizado na facilitação da agricultura de conservação”, explica.

Por outro lado, sublinha Pedro Fevereiro, as técnicas genómicas, que têm como finalidade introduzir características específicas nas culturas de forma a aumentar a eficiência da produção e a qualidade dos produtos finais, também fazem sentido. No entanto, alerta, “é preciso, tanto quanto possível, gerir de forma adequada a utilização do glifosato para não se seleccionarem variedades de infestantes resistentes, mas existem diversas estratégias que podem ser utilizadas para minimizar esta eventualidade”.

Replicar organismos de forma natural

A inovação aplicada à produção agrícola não é de hoje, mas a maior parte dos avanços introduzidos estão relacionados com a biotecnologia. Numa explicação simples, trata-se de recorrer a um conjunto de técnicas que manipulam micro-organismos com vista a obter produtos específicos ou modificados, que possam ser mais resistentes às pragas e, por exemplo, necessitar de menos água para a sua produção.

Outros benefícios da biotecnologia na agricultura passam por uma maior segurança alimentar e um processo produtivo mais eficiente. “A biotecnologia já tem um enorme impacto na agricultura, especialmente em países fora da União Europeia, como o Brasil, a Argentina e os Estados Unidos, onde não é estigmatizada”, exemplifica Jorge Canhoto. Na perspectiva do presidente do CIB, a edição genética abre enormes possibilidades ao melhoramento de plantas, ao permitir modificações genéticas sem utilização de genes de outros organismos, e semelhante às que ocorrem em condições naturais, abrindo igualmente boas perspectivas na obtenção de alimentos com novas propriedades que podem melhorar a qualidade da alimentação. “A utilização da biotecnologia não é a única solução, mas certamente que sem ela será difícil alimentar uma população que se estima em 9 mil milhões de pessoas em 2050”, reforça.