Alargamento ou aprofundamento, ex-questão

Não há espaço para “ou”, essa é uma questão do passado. O alargamento da União Europeia e a reforma comunitária estão intrinsecamente ligados.

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Quando se discute o futuro da União Europeia há um tema recorrente, talvez tão velho quanto a própria UE: alargamento geográfico ou aprofundamento dos seus acordos constitutivos? Trocado por miúdos, mais países a aderir ou mais transferência de soberania dos Estados-membros para a UE? É exatamente no “ou”, nesta aparente equação de soma zero, que se encontra a questão, ou melhor, a ex-questão.

As múltiplas crises recentes pelas quais a UE passou, mas, sobretudo, o reabrir do apetite de Putin pela conquista de novos territórios, voltou a colocar na agenda os temas da expansão e reforma comunitária. A União está a viver, simultaneamente, i) o período mais longo sem a entrada de nenhum Estado-membro (mais de uma década), tendo inclusive perdido o Reino Unido, em 2020; e ii) o segundo maior período sem um novo acordo constitutivo – o Tratado de Lisboa foi há mais de década e meia.

No último grande alargamento, em 2004, houve um primeiro aprofundamento com o Tratado de Maastricht que trouxe várias regras à adesão de novos países. Só depois – com os Tratados de Amesterdão, Nice e Lisboa – é que a UE fez o seu trabalho de adaptação à nova dinâmica comunitária. Ou seja, de alguma forma, cada alargamento precipita uma vaga de aprofundamento político. É provável que não haja grande opção entre uma e outra. A questão fundamental é: qual delas avançará primeiramente? É provável que, tal como em 1992, se acomode ao nível constitutivo a adesão dos novos membros e que só depois, com as consequências da vida numa União a 30+, se aprofunde realmente, reorganizando as questões relacionadas com o processo de tomada de decisão, orçamento comunitário e capacidade de ação.

O que está atualmente em cima da mesa? Por um lado, a Comissão Europeia parece ter vontade de acelerar o mais possível a sua visão de UE geopolítica. No seu entender, não se pode esperar muito mais tempo sem alargar, em especial a alguns países dos Balcãs Ocidentais, mantendo vivas as candidaturas de outros países candidatos que estão à espera há década e meia. Por outro lado, os Estados-membros, em especial o eixo franco-alemão, propõem uma reforma estrutural abrangente que deverá rever e aprofundar (?) as regras para a governação de uma União a 30+. Neste caso, respondendo à pressão para integrar novos países na UE até ao final desta década, propuseram um modelo comunitário em quatro círculos concêntricos: i) círculo interno; ii) UE; iii) membros associados; e iv) Comunidade Política Europeia. Onde estas perspetivas se tocam é no facto de tanto a Comissão como os Estados-membros perceberem que uma coisa (alargamento) terá de estar associada à outra (aprofundamento). Não há espaço para “ou”, essa é uma questão do passado. O alargamento da UE e a reforma comunitária estão intrinsecamente interligados.

Agora, uma UE com mais Estados-membros vai atrasar os processos de tomada de decisão? Provavelmente, sim. Círculos concêntricos com diferentes graus de integração criarão uma União a velocidades diferentes? Definitivamente, sim. A reforma dos tratados será pacífica? Não, os nórdicos, em particular, já avisaram. O mundo está a mudar, novos blocos regionais e intercontinentais estão-se a compor ou reforçar e isso força a UE a avançar em ambas as direções? Sim, sem dúvida, não há grandes alternativas.

As (in)certezas sobre este tema manter-se-ão e continuarão a ser alvo de discussão no médio e longo prazo. A próxima cimeira de chefes de Estado ou de Governo (26 e 27 outubro) e a apresentação do relatório intercalar sobre a forma como a Ucrânia e outros países candidatos estão a cumprir as condições de adesão ao bloco (novembro) não serão momentos de decisões derradeiras. No entanto, poderão ser essenciais para a definição de uma visão coordenada sobre como gerir, exportar e proteger o modo de vida europeu. Diz-se que este é o momento de a UE responder ao apelo da História. Nunca fui dado à exegese de chamamentos históricos, mas parece-me óbvio que a história da União será menos auspiciosa se não se alargar e aprofundar.

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