A história fez-se ao cair do pano

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Foi nos últimos minutos do último jogo deste Mundial que Portugal escreveu o mais brilhante capítulo da história do râguebi nacional. Os “lobos”, que desde o primeiro dia falaram sobre a vontade de vencer e jogaram sempre com a pretensão da vitória, alcançaram finalmente o seu objectivo, no mais improvável dos momentos.

O jogo contra as Fiji foi sempre caótico, e as duas equipas acumularam os erros esperados de quem joga no limite do risco. Nos primeiros 40 minutos, os “lobos” estiveram à altura do desafio físico, quer nas fases de conquista, quer em jogo “aberto”, onde Portugal continuou a impressionar pela capacidade no combate, sobretudo no momento defensivo.

O jogo ganhou vida com o primeiro ensaio luso logo a abrir a segunda parte. Jerónimo Portela – as dúvidas que sobre ele recaíam quanto à capacidade defensiva e de disputa de bolas no ar foram enfaticamente dissipadas neste Mundial – voa brilhantemente sobre dois fijianos para recolher o pontapé alto de Cardoso Pinto; bola rapidamente reciclada e, sem vantagem, Bettencourt (que classe!) coloca milimetricamente ao pé, no espaço crítico entre o ponta e o defesa fijianos, para Storti recolher e, com um notável controlo corporal, fazer toque de meta para o ensaio sem antes tocar na linha lateral. Um ensaio de compêndio, quase seguido de um outro, mas o “offload” de Martins acaba no chão. Bola recuperada pelas Fiji, que no seguimento marcam e empatam o jogo, que assumia um ritmo frenético.

As duas equipas, sempre no limite do erro, ganhavam e perdiam metros à razão de uma ou duas posses de bola. Aproveitando o amarelo a Botia, Portugal volta a marcar, por Fernandes, ao minuto 50. Fiji responde e restabelece alguma – marginal – supremacia territorial, que culmina com ensaio que empata o jogo a 17 pontos, corria o minuto 67. Fiji entra então na sua melhor fase do jogo, com controlo da bola, com fases encadeadas e maior segurança nas fases de conquista. Neste período de 10 minutos, as ilhas Fiji marcam duas penalidades, aos 71 e 76 minutos. Com quatro minutos por jogar, Portugal parece fatidicamente derrotado.

David Costa, elogiado neste espaço pelas 11 placagens que registou contra a Austrália, entrou em campo aos 57 minutos, para o lugar do lesionado Fernandes. Aos 58 minutos, na sua segunda acção no jogo, com Portugal encostado à sua linha de ensaio, Costa é urgente a reposicionar-se e ocupar o seu lugar na linha defensiva, dispara para placar e fazer recuar Matavesi cinco metros. Os fijianos acabaram por perder a posse de bola e precisariam de mais 10 minutos para conseguir marcar.

Foi com esta resiliência que os “lobos”, titulares e suplentes, conseguiram manter-se “dentro do jogo”. Foi com louvável ambição que conseguiram vencê-lo: ao minuto 77, encadearam seis fases, em que utilizaram toda a largura do campo; na inversão do sentido de jogo, Storti, jogador profundamente sagaz, identifica a falta de defesa no lado fechado, atrai dois defensores e liberta para Marta, que marca finalmente neste Mundial. Samuel não tremeu na conversão e selou a mais célebre das vitórias dos "lobos".

Destaques finais para David Wallis, com 21 (!) placagens e para o ataque: este foi o jogo em que os “lobos” ganharam mais metros de fases estáticas, demonstrando capacidade de execução técnica próxima da linha de vantagem. Uma participação com números e exibições bem acima dos que seriam exigíveis em face da realidade do rugby nacional, coroada com uma justíssima e histórica vitória.

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