Serviço militar obrigatório, porque não?

Não devemos ficar pela discussão do modelo de cúpula do sistema ou, de modo absurdo, se devemos ou não recrutar estrangeiros para morrer pela pátria.

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Rui Gaudencio
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De repente, para surpresa de muitos, damos conta que o rei vai nu. Isto é, o Exército português não tem soldados nas suas fileiras. A nação portuguesa acordou e, em tempos de voragem mediática, alimentada por todos os medos, o tema da defesa, da eficácia das nossas forças armadas, que parecia saído de outro século, está na ordem do dia.

É que, para muitos, pelo menos em boa parte da Europa e até ao rebentar da presente guerra na Ucrânia, eramos todos de Vénus (para usar a expressão cunhada por Robert Kagan, pretendendo distinguir o pacifismo cosmopolita dos Estados europeus – Vénus – do nacionalismo belicista dos americanos – Marte).

O mesmo é dizer que a queda do muro de Berlim e alguns anos de paz, com um forte Estado social, fizeram muitos europeus crer na desnecessidade da defesa do seu território ou colocar mesmo em questão a existência de forças armadas.

Acontece que nem os homens deixaram de ser violentos, nem as instituições civis, a democracia, os direitos fundamentais, a economia de mercado, são suficientemente fortes, para afastarem de vez o espectro da guerra e o eventual uso da força. Nunca poderemos prescindir de um Leviatã que, se necessário com o uso da força legítima, garante a segurança, suporte imprescindível da liberdade.

Ora, é também a consciência deste facto que exige maior responsabilidade. Ou seja, não podemos esquecer o equilíbrio entre o pilar da defesa da nação e o modo como lhe damos dignidade institucional ou reconhecimento popular. Não podemos correr o risco de, com uma qualquer atitude menos atenta, displicente ou por qualquer preconceito ideológico, desfazer esse equilíbrio e tudo o que dele depende, como agora, infelizmente acontece, com a falta de condições para garantir os seus recursos humanos.

Já basta o atual desgaste das instituições representativas da democracia, com a perda de legitimidade de parlamentos, governos e partidos políticos. Já basta o desgaste doutras funções da soberania de cujo bom funcionamento, independência e autonomia, depende a nossa liberdade e que estão também a ser abaladas perante o sempre volúvel tribunal da opinião pública. É fundamental que não deixemos também desgastar o prestígio da instituição militar como garante da integridade do Estado.

Sei que este não é, com toda a certeza, um assunto consensual, sobretudo quando acabámos de sair do grande, e porventura escusado, grande constrangimento da pandemia e quando a famosa “bazuca financeira”, nada contempla neste domínio, com exceção de um centro de controlo naval.

Mas é seguramente tema estruturante da nossa existência coletiva, sobretudo, num novo tempo em que, precisamente, por toda a Europa se volta a pensar estrategicamente a segurança e a defesa, os seus meios e capacidades, as suas dimensões humanas, tecnológicas e logísticas. Um tempo novo em que, não só as ameaças e os grandes riscos em matéria de defesa e segurança não despareceram, como, pelo contrário, cada vez mais ensombram o espaço europeu.

Em suma, num tema sempre ultrapassado pela espuma dos dias e fortemente marcado pela abordagem sociológica do nosso quotidiano, não devemos ficar pela discussão do modelo de cúpula do sistema ou, de modo absurdo, se devemos ou não recrutar estrangeiros para morrer pela pátria.

Devemos, isso sim, apostar claramente na modernização dos meios logísticos e operacionais, bem como na legitimação popular, das nossas forças armadas. Retomar, por exemplo, o serviço militar obrigatório, como está a acontecer em muitos países da Europa. Porque não? Aqui fica o desafio.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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