Resumidamente é assim: quem tem dinheiro (e provavelmente já não vive numa situação de pobreza energética) vai poder melhorar (mais ainda) a sua casa, quem não tem dinheiro vai muito provavelmente continuar a viver na pobreza energética. Entre o programa de apoio Edifícios +Sustentáveis e o programa Vale Eficiência, pensado para os portugueses em situação vulnerável, fica muita gente de fora.

Esta semana, o Governo anunciou uma segunda chamada do programa de apoio para edifícios mais sustentáveis oferecendo uma generosa fatia de 100 milhões de euros para financiar a 85% múltiplas intervenções para melhorar a eficiência energética nas casas dos portugueses. E quem pode candidatar-se? No fundo, quem tem dinheiro para adiantar, porque só se recebe depois.

E quem não tem? Não pode aceder ou, em alternativa, tem de cumprir outros critérios além de simplesmente não ter dinheiro para a intervenção. Para os portugueses mais pobres, há outro programa e outros tantos obstáculos. O Vale Eficiência (as candidaturas fecharam no final do mês de Maio, mas ainda não foi apresentado qualquer balanço oficial) é destinado a essa população vulnerável.

No entanto, para aceder a este apoio (1300 euros) é preciso que o candidato preencha alguns requisitos, tais como ser beneficiário da tarifa social e ser proprietário do imóvel. Condições que, como é fácil de concluir, eliminam muitos potenciais candidatos.

Quantas famílias vulneráveis que beneficiam de tarifa social e vivem em casas demasiado frias no Inverno e demasiado quentes no Verão, mas não são as donas do imóvel que habitam? Muitas, aposto. E quantas pessoas há sem dinheiro para investir, mas que não beneficiam de tarifa social? Muitas, aposto.

Somando os "remediados" que não têm dinheiro para adiantar a uma grande fatia da população que não beneficia de tarifa social mas também não é rica (ou, se beneficia, não é proprietária do imóvel) há muita gente. Muitos portugueses que ficam sem acesso a um apoio para viver melhor.

 Os programas de apoio têm o seu mérito. Ainda bem que há ajuda para mudar para melhor. Mas sofrem também desse um problema crónico (se calhar, até mais do que um) que os governantes teimam em ignorar. As pessoas que não preenchem os requisitos e ficam sem acesso ao apoio são muitas. E muito provavelmente são as que vivem em piores condições e que mais precisam dele.

No fundo, ter acesso a um apoio para combater a pobreza energética é um privilégio para quem não é pobre (se falarmos no programa que exige que se adiante o pagamento para receber mais tarde) ou apenas para um subgrupo "especial" dos mais pobres: ou que, por um lado, beneficiam de tarifa social e, por outro, são proprietários do imóvel.

Uma grande multidão excluída que prova que até para pedir ajuda é preciso ter já qualquer coisa nas mãos. O que – não fosse a gravidade desta situação – até chega a ser irónico.

Como resolver isso? Não sei. Mas haverá seguramente uma forma ou fórmula para isso. E também pessoas com mais conhecimentos e experiência para resolver este problema. Admitindo estar errada, acredito que a solução poderá passar pela entrega de documentação que deixe claro um orçamento para uma obra que não podemos suportar e, exactamente por isso, exija o apoio do Estado.

Por isso, no texto publicado esta semana no Azul fizemos a pergunta e demos a resposta:

Vou receber o apoio antes ou depois das obras?
Só depois, até porque a candidatura terá de ser acompanhadas pelas facturas e recibos ou comprovativos de pagamento com identificação e discriminação dos trabalhos e despesas realizadas especificamente para as tipologias candidatadas, com datas posteriores a 1 de Maio de 2022 e anterior ao momento de submissão da candidatura na plataforma digital.

E, já agora, a documentação (as tais facturas, recibos, comprovativos e orçamentos) leva-nos a outro problema crónico destes programas de apoio muito bem-intencionados. São muitas as queixas de quem já se viu engolido e triturado por uma máquina burocrática lenta e dispersa por várias entidades para ir buscar "cinco tostões". Onde está o simplex quando precisamos dele?

Muitos desistem pelo caminho. E, mais uma vez, são os que mais têm que se podem dar ao luxo de desistir de um processo (martírio) destes para obter dinheiro. Além do cumprimento de determinados critérios, a outros tantos portugueses o acesso aos fundos é-lhes negado simplesmente por falta de informação ou literacia digital. Entre as exigências da candidatura estão um registo online e o preenchimento de um formulário com linguagem pouco acessível. 

Para ter ajuda neste novo programa, o candidato tem de tratar da sua candidatura a tempo e horas, com toda a documentação exigida e, mesmo assim, não há garantias. Porque, este apoio lançado agora tem (e é justo que assim seja) um limite. São 100 milhões de euros para "candidaturas referentes a edifícios unifamiliares serão aceites neste primeiro aviso até que se atinja o equivalente a 3.000.000 metros quadrados de área intervencionada". Um limite de prazo, área e valor, além de muitas outras fronteiras bastante óbvias.

Esta semana, durante o anúncio deste novo programa, o ministro do Ambiente e da Acção Climática, Duarte Cordeiro, sublinhou que o anterior plano de ajuda contou com cerca de 71 mil candidaturas elegíveis e apoios de 122 milhões de euros, "tendo contribuído para evitar a emissão de 38 mil toneladas de dióxido de carbono". Faltou mostrar o mapa dessas intervenções para confirmar se estamos a intervir nos locais onde é mais urgente agir.

Quanto ao programa dos Vales de Eficiência foram prometidas mudanças nos critérios o acesso a esta ajuda. Mas, até agora, nada foi anunciado.

"Portugal tem entre 660 a 680 mil pessoas que vivem numa situação de pobreza energética severa, o que significa que pertencem a ‘agregados familiares em situação de pobreza cuja despesa com energia representa +10% do total de rendimentos’ e que acumulam a ‘situação de pobreza monetária ou económica’ com a impossibilidade de manterem as suas casas em condições de conforto térmico", escreveu a jornalista Ana Brito em Janeiro deste ano.

A jornalista do PÚBLICO acrescentava que "o número surge na Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética 2022-2050 (ENLPCPE 2022-2050)", e que o Governo entendia "ser ‘consensual considerar que a franja da população que se encontra em situação de pobreza monetária se encontra também em situação de pobreza energética’". Resumidamente: serão estes o que mais precisam de ajuda e muitos deles não cumprem os critérios para nenhum dos programas de apoio criados pelo Governo.