As hiperligações entre economia criativa e economia produtiva

Para lá de todos os fatores críticos das grandes transições, importa reunir as condições que levam à formação de territórios inteligentes.

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Vivemos um tempo de grandes transições – climática, energética, ecológica, digital, demográfica, migratória, socioeconómica, securitária –, algumas delas com impactos estruturais profundos. As grandes transições têm ciclos de crescimento e maturação longos e diferenciados e efeitos externos muito assimétricos que desencadeiam uma profusão de medidas de natureza, duração e alcance muito variáveis. Falo de medidas de emergência e urgência, de mitigação e adaptação e de reformas estruturais que é preciso lançar e acionar quase ao mesmo tempo. No terreno concreto das economias regionais e da rede das suas cadeias de valor estes efeitos e estas medidas não são fáceis de gerir e podem, mesmo, pôr em causa o retorno dos investimentos realizados.

Neste contexto, o desenvolvimento das hiperligações entre economia criativa e economia produtiva é, sem qualquer dúvida, em período de grandes transições, uma das áreas de trabalho mais interessantes e decisivas que a academia, a administração e as atividades económicas têm o dever de investigar e aprofundar.

Para o efeito, vou considerar dois planos de observação e análise. Um plano mais instrumental em que a economia criativa aparece como geradora de inputs para a economia produtiva, a partir de quatro domínios principais que aqui designo como o colar de pérolas da economia criativa: património e paisagem (1), ciência e tecnologia (2), arte e cultura (3), inclusão social e talento criativo (4). A partir destes quatro domínios a economia criativa gera o circuito de inovação necessário à formação da cadeia de valor da economia produtiva. A composição desse circuito é muito variada e é, certamente, o ato mais criativo que é transmitido à economia dos produtos e serviços finais.

Um segundo plano mais abrangente e estratégico de economia criativa permite-nos considerar cinco grandes linhas ou modos de abordagem: o modo como lida com as externalidades, positivas e negativas, das grandes transições em curso (1), o modo como, em cada região, concebe e compõe os diferentes elementos do colar de pérolas já referido (2), o modo como lida com os eventos das indústrias culturais e criativas e sua contribuição para a transformação do território (3), o modo como age sobre a economia regional no que diz respeito às interligações territoriais das cadeias de valor que a integram (4), o modo como lida com a atração do talento criativo e as várias plataformas onde se faz a gestão do capital humano (5).

Se é assim no plano conceptual, no campo prático do desenvolvimento territorial o papel do ator-rede é absolutamente decisivo. Nesta associação, a pergunta que se impõe é, então, esta: qual é a entidade – empresa, associação, centro de investigação, universidade ou politécnico, estrutura de missão – que é capaz de desempenhar a função de agente-principal ou de ator-rede e que nessa tarefa é competente para desencadear, de forma consistente, todos os fatores de criatividade que permitem agregar valor, distribuir rendimento e dar expressão territorial relevante às respetivas cadeias de valor (CV) regionais?

Quando me refiro a fatores de criatividade das CV estou a pensar na administração de fatores tão fundamentais como os seguintes: a sustentabilidade da CV e sua contribuição para a economia circular (1), a rede logística da CV e as suas interligações e complementaridades territoriais (2), a contribuição para a reorganização sócio-corporativa da CV e a redistribuição interna do valor acrescentado (3), a valorização do capital humano e do emprego qualificado (4), o acesso e a cooperação tecnológica e digital dentro da CV(5), a intensidade-rede das hiperligações entre diferentes cadeias de valor regionais (6) a importância da marca territorial, o modo de incorporação de valores intangíveis e imateriais e a internacionalização da CV (7).

Nota Final

Quero crer que a academia (universidade ou politécnico), a administração (CCDR e CIM), as associações e núcleos empresariais, o universo da economia social e solidária podem tirar vantagem da economia das plataformas colaborativas e ensaiar uma estrutura de missão no âmbito territorial e regional de cada NUTS II ou NUTS III, tendo em vista constituir comunidades inteligentes e um ator-rede que seja competente para lançar e monitorizar as hiperligações necessárias e fundamentais entre economia criativa e economia produtiva.

Para lá de todos os fatores críticos das grandes transições, importa reunir as condições que levam à formação de territórios inteligentes e, em especial, a uma nova relação entre o ator e o sistema que aqui se traduz pela criação de um agente principal ou ator-rede, em particular, nas suas funções nucleares de networking e curadoria territorial. Este é o momento certo para proceder ao seu lançamento.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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