Há falhas na plataforma, mas SEF nega “estatuto especial” para quem aguarda por autorização de residência

Caso denunciado pelo Expresso expõe facto de a plataforma onde são feitos pedidos de autorização de residência aceitar informação incorrecta. SEF reforça que documentos são analisados posteriormente.

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SEF está num processo de reestruturação Nuno Ferreira Santos
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Há uma brecha na plataforma onde são submetidos os pedidos de Autorização de Residência (AR) dos cidadãos estrangeiros em Portugal, já que é possível inserir dados que podem ser falsos e prosseguir com o processo, uma vez que aqueles não são analisados no momento.

É como se esta plataforma do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) apenas olhasse para o formato dos dados e dos ficheiros e não para o seu conteúdo. Como resultado, os estrangeiros que fazem esse pedido podem ficar em Portugal, num limbo entre uma estada regular e irregular.

A situação é denunciada pelo semanário Expresso, na edição desta sexta-feira, na qual cita uma denúncia feita por uma fonte judicial. “Pode-se colocar ou não informação real, inventar um nome, moradas, telefones. Supostamente tem de se carregar documentos comprovativos da informação, mas pode-se colocar folhas sem nada”, explicou o denunciante ao semanário, sublinhando haver casos em que esses pedidos não apresentam condições para serem validados.

Sempre que um imigrante pretenda ficar a residir em Portugal, mesmo que temporariamente, deve fazer um pedido via Sistema Automático de Pré-Agendamento (SAPA) do SEF. Estas manifestações de interesse — assim se designam — não conferem imediatamente a legalização, uma vez que os dados têm de ser presencialmente confirmados num balcão do SEF. Por isso, quando os dados são introduzidos na plataforma, não há uma análise imediata, pelo que “eventualmente pode acontecer” que sejam submetidas informações falsas, reconhece ao PÚBLICO fonte do SEF. Que, contudo, reforça: “Ninguém se regulariza com esses documentos [falsos].”

SEF nega "estatuto especial"

A questão reside no enquadramento que os imigrantes têm durante o período, que pode ser de meses e até de anos, entre o momento em que submetem o pedido e em que lhes é efectivamente atribuída uma autorização de residência em Portugal.

O SEF nega, em comunicado, que o migrante tenha “um estatuto especial” e reforça que estão "em processo de regularização.” Contudo, ao PÚBLICO, fonte oficial do SEF reitera que durante este tempo de espera os cidadãos que apresentaram manifestação de interesse não estão numa situação “considerada irregular”.

“Durante o período em que aguarda pelo agendamento, o cidadão não tem, actualmente, qualquer estatuto especial que lhe permita passar a ser residente legal ou estar regular em território nacional, podendo mesmo ser notificado para abandono voluntário”, enquadra o SEF no seu esclarecimento, reforçando que um pedido ou mesmo uma autorização de residência podem ser cancelados pelo Serviço, “se se provar que foi obtida com recurso a fraude”. Nesses casos, o titular pode mesmo ser chamado a “responder criminalmente”.

Durante a pandemia, contudo, houve um período, que terminou no final de 2022, no qual vigorou um “regime especial que permitia que os cidadãos com manifestação de interesse introduzida gozassem de um regime de excepção”.

Esse regime, abrangido pelo Despacho n.º 3863-B/2020 de 27 de Março, "estabeleceu que todos os cidadãos estrangeiros com processos pendentes no SEF (sejam eles concessão, renovação, manifestações de interesse, entre outros), à data da declaração do estado de emergência nacional (18 de Março 2020), estavam temporariamente em situação regular em território nacional, podendo aceder a todos os serviços públicos, designadamente para obtenção do número de utente, acesso ao Serviço Nacional de Saúde ou a outros direitos de assistência à saúde, acesso às prestações sociais de apoio, celebração de contratos de arrendamento, celebração de contratos de trabalho, abertura de contas bancárias e contratação de serviços públicos essenciais”, enquadra o SEF.

Actualmente, refere este serviço, tal já não acontece: “Actualmente, estes cidadãos estrangeiros, enquanto aguardam o agendamento pelo SEF, encontram-se em processo de regularização.”

O advogado Bruno Gutman, especialista em processos de imigração, reitera igualmente que durante este período de espera, os imigrantes não gozam de plenos direitos, como se já tivessem uma autorização de residência. “Um imigrante que não tenha uma autorização de residência concreta dificilmente vai conseguir número de utente, não vai ter médico de família, não vai conseguir estar inserido no Serviço Nacional de Saúde, não vai poder obter crédito no mercado. Ele só fica impedido de ser retirado de Portugal”, observa.

A atribuição dos números de identificação fiscal, de utente ou de segurança social, não dependem da apresentação de uma manifestação de interesse, diz ainda o SEF. Decorrem, sim, da existência de um contrato de trabalho, necessário para pedir uma autorização de residência. A lei permite que, mesmo que o visto já não esteja válido, um cidadão estrangeiro possa permanecer em Portugal desde que tenha um contrato de trabalho, podendo depois apresentar a sua manifestação de interesse.

Sete mil autorizações em análise

Outra das questões levantadas por fonte judicial ao semanário Expresso é o facto de estas falhas na plataforma do SEF estarem também a ser aproveitadas para a solicitação de novas autorizações de residência para imigrantes da CPLP, que são geradas quase automaticamente.

Em Março passado, o Governo disponibilizou um portal para "simplificar" a emissão da autorização de residência de cidadãos oriundos de países que integram a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), como Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. Para acederem, os cidadãos destes países têm de ter submetido a manifestação de interesse até 31 de Dezembro de 2022 ou ter vistos CPLP emitidos pelos consulados portugueses após 31 de Outubro. É uma forma, na óptica do Governo, de responder mais rapidamente aos milhares de processos de regularização que estão pendentes.

Esta autorização de residência pode ser requerida online e a previsão é de que seja emitida em 72 horas. A deslocação física a instalações do SEF só é obrigatória se estiverem envolvidos menores. É um documento válido por um ano, “renovável por dois períodos sucessivos de dois anos". Não permite livre circulação pelo espaço Schengen, que abrange 26 países europeus.

Sobre esta questão, o SEF afirma que estas autorizações de residência são “concedidas exclusivamente em função das nacionalidades beneficiárias do acordo de mobilidade e nos termos previstos pela Lei de Estrangeiros e só são válidas quando acompanhadas de documento de viagem válido (passaporte). Toda a restante documentação que conste no sistema, designadamente a relativa à situação laboral, fiscal e de segurança social, não relevam no momento da respectiva atribuição.”

Ainda de acordo com o SEF, neste processo das autorizações de residência para cidadãos da CPLP, “as validações de segurança efectuadas pelo SEF permitiram que fossem detectados mais de sete mil" processos, que necessitam de “novas consultas de segurança”.

Sobre estas falhas na plataforma, o presidente do Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Acácio Pereira, disse desconhecê-las por completo. “É a primeira vez que oiço falar disto”, disse ao PÚBLICO, escusando-se a comentar mais o caso, uma vez que, no âmbito da reestruturação do SEF, as competências nesta matéria passarão a ser repartidas entre a Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo e o Instituto de Registos e Notariado. No entanto, rematou: “Se está mal deve ser corrigido.”

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