Enfermeiros unidos, pela mudança na enfermagem

A enfermagem é o maior grupo profissional na saúde. É inconcebível o seu constante afastamento dos locais de reflexão, planeamento e decisão em saúde.

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Foi necessária uma pandemia para a sociedade tomar conhecimento do valor que as enfermeiras e enfermeiros acrescentam à saúde da comunidade. Estes anos foram decisivos na forma como a enfermagem apareceu no espaço público. Pela primeira vez, assistimos a enfermeiros a cuidar de doentes ventilados, a utilizar tecnologia para aproximar doentes das suas famílias, a liderar e gerir os processos de testagem e vacinação.

De forma mais tímida, mas também presente, a enfermagem começou a ter voz. Ainda muito longe do ideal, assistimos aos colegas, justamente, a reivindicar por melhores condições de trabalho, por equipamentos de proteção individual e por dotações seguras, de forma a prestar os melhores cuidados ao cidadão.

Os enfermeiros souberam colocar os interesses do país em primeiro lugar. Durante a pandemia, apesar da política de baixos salários, supressão das avaliações e progressões, ou aumento da precariedade na classe, apenas para mencionar alguns dos problemas laborais que nos afligem, houve um consenso para que as lutas sindicais aguardassem. Não houve greves de enfermagem durante a pandemia, e não foi pela final da Liga dos Campeões. Foi pelo sentido de missão e dever que a classe tem.

A enfermagem é o maior grupo profissional na saúde. São as enfermeiras e enfermeiros que cuidam do cidadão 24 horas por dia, estando presentes durante todo o ciclo de vida, na promoção da saúde, prevenção da doença, prestação de cuidados na doença aguda, na recuperação, reabilitação e cuidados paliativos. Os enfermeiros são determinantes do acesso aos cuidados de saúde, e devem assumir-se como tal. É inconcebível o constante afastamento dos locais de reflexão, planeamento e decisão em saúde. Não podemos continuar por este caminho. Precisamos de uma visão focada no crescimento social e cultural da profissão, que só é possível se for uma visão realmente agregadora. Devido à sua qualidade, os enfermeiros formados em Portugal são sobejamente reconhecidos em toda a Europa. Porque não o são dentro de portas?

A população é quem menos usufrui de todo o nosso potencial. Não há preocupação, de nenhum dos atores relevantes da saúde, em maximizar o enorme contributo que a enfermagem pode dar à sociedade. Quer seja por estarem presos a amarras corporativistas, a receios políticos de promover a mudança, ou, não menos grave, a uma conceção da profissão que a reduz a meros atos mecânicos A redefinição dos papéis sociais da saúde continua sem um debate sério.

Todos os dias, há milhares de intervenções e atos que, de forma informal, são efetuados e prescritos pelos enfermeiros. No entanto, não saem do âmbito da informalidade, ficando o ato formal reservado para outros profissionais. Isto cria um claro dano à profissão, pois a autonomia é condicionada e a responsabilização retirada. Devemos ambicionar uma arquitetura de divisão de responsabilidades totalmente diferente. À semelhança do que acontece em muitos outros países da OCDE, onde compete à enfermagem a observação e avaliação de pessoas saudáveis, o seguimento de doentes crónicos não agudizados, ou até, a primeira abordagem em doença aguda. Sem diminuição da qualidade dos cuidados oferecidos à população. Pelo contrário! O acesso aos cuidados aumenta quando o foco do sistema é cuidar do cidadão, em vez de promover guerras corporativas.

A grande mudança na enfermagem, adiada há demasiado tempo, é a evolução para o mestrado integrado em ciências da enfermagem. As restantes profissões da saúde iniciam a sua carreira com o grau de mestres, com óbvias e claras vantagens para os seus profissionais. Por falta de visão e ambição, fomos ficando para trás, num grupo cada vez mais restrito e isolado. Não temos mais tempo a perder. A sede de mudança é grande e não nos podemos dar ao luxo de voltar a ficar parados. O mestrado tem de ser uma realidade já a curto prazo.

A Ordem, enquanto órgão regulador da profissão e garante máximo da qualidade dos cuidados, presta um serviço essencial. Deve cultivar e manter com a comunidade uma relação de confiança, para que as suas ações e intervenções sejam respeitadas. Mas enquanto garante a excelência dos cuidados, pode refletir de que forma consegue influenciar o ecossistema de saúde. A maioria dos resultados positivos obtidos no âmbito da qualidade em saúde, são da responsabilidade de avaliações e intervenções das enfermeiras e enfermeiros. No entanto, o financiamento hospitalar é essencialmente fruto da produção médica. Esta realidade tem de ser alterada! O sistema está desnivelado. Podemos fortalecer o papel da enfermagem, melhorando a qualidade dos cuidados oferecidos à população.

Porque acreditamos que o nosso foco deve ser o crescimento da profissão, a união dos profissionais e as respostas às necessidades em saúde, um conjunto de 850 enfermeiros e enfermeiras, provenientes de todos os distritos, de várias idades e especialidades, do setor público, privado e social, em todo o tipo de funções, da docência à gestão estratégica e operacional, incluindo, naturalmente, a prática, demostram um forte desejo de mudança e crescimento. Convidamos todos os colegas a refletirem connosco sobre a evolução da profissão e o caminho que queremos fazer em conjunto. A saúde precisa da enfermagem e nós dizemos: presente!

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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