A festa em Nápoles também é de um pequeno alentejano

A carreira de Mário Rui tem sido feita por um caminho tortuoso, mas, para quem saiu do Alentejo e foi “chutado” por Sporting e Benfica ainda novo, este percurso já pode valer festa rija em Sines.

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Mário Rui e Lionel Messi em acção na Champions Reuters/GUGLIELMO MANGIAPANE

Há quase 32 anos, mais ou menos por esta altura, nascia em Sines, pacata cidade portuária alentejana, um rapaz chamado Mário Rui Duarte. Não veio ao mundo com graça de craque, daquelas que ficam no ouvido, mas fez com que esse nome, aparentemente banal no espectro português, chegasse a um dos patamares mais altos do futebol europeu.

Nesta quinta-feira, Mário Rui tornou-se campeão italiano, como parte do Nápoles que quebrou a maldição que durava desde a equipa de 1990, de Diego Armando Maradona.

Com o 1-1 do Nápoles frente à Udinese, Mário Rui conquistou o terceiro título da carreira, depois de uma Taça de Itália e da Liga das Nações. Mas nem italianos, nessa Coppa, nem portugueses, na prova de selecções, olharam para as conquistas – e para Mário Rui, por extensão – com especial pompa. Nesta quinta-feira falamos de algo diferente. Há loucura total na cidade italiana, que o título fugia aos fervorosos napolitanos há 33 anos, e o pequeno alentejano de Sines está lá no meio.

O jogador português é aquilo a que Vargas Llosa chamaria um “herói discreto”. Não é – nem tem sido – um craque decisivo. Não é – nem tem sido – um titular indiscutível. Não é – nem tem sido – um homem de manchetes. Mas é – e tem sido – um dos jogadores mais úteis para quem quer que pegue neste Nápoles. Em cinco temporadas no clube andou sempre entre os 30 e os 40 jogos por época e vai pelo mesmo caminho em 2022/23, com os 27 já contabilizados.

Dos melhores do campeonato

Fisicamente fiável e de poucas lesões, Mário Rui tem feito a carreira em Itália, sobretudo por via da qualidade ofensiva. Cruza como poucos e oferece predicados nas bolas paradas, mas tem sido mais do que isso.

Cruzando dados dos sites Who Scored e Fotmob podemos ver que Mário Rui está em posições de destaque em vários rankings relevantes para analisar o impacto ofensivo no jogo napolitano.

Está no top 5 da Liga italiana de mais cruzamentos e mais passes longos certos por jogo e no top 10 de mais assistências, mais passes certos e mais passes para finalização. E ainda surge no top 20 de mais oportunidades de golo criadas.

Estes dados, que possivelmente até surpreendem os maiores fãs de Mário Rui, ali no litoral alentejano, atestam o tremendo impacto ofensivo que o jogador tem tido na equipa de Spaletti.

Defensivamente, a coisa faz-se de forma distinta. Até por ter menos de 1,70 metros, é visto muitas vezes como um ponto frágil da equipa – e também por isso tem dividido a titularidade com Mathías Olivera.

O máximo de jogos consecutivos no “onze” que fez nesta temporada foram quatro partidas, em Janeiro, algo que o empresário do jogador chegou a apontar dever-se ao preconceito de Spaletti com a suposta incapacidade defensiva de Mário Rui para jogos “a doer”.

Mas também isso explica o título do Nápoles: na lateral-esquerda, como noutras posições, Spaletti dá-se ao luxo de poder escolher entre Mário Rui, quando quer alguém tecnicamente mais “refinado”, e Oliveira, quando quer alguém defensivamente mais robusto. Há dilemas piores.

Dispensado no Sporting e no Benfica

Mas a presença neste Nápoles pode ser vista, para Mário Rui, como o grito de alguém por quem pouco se dá. E sempre foi assim.

É, actualmente, um jogador secundário para a selecção portuguesa (tem Nuno Mendes e Guerreiro à frente) e também no Nápoles vai caminhando entre o destaque no relvado e a penumbra no banco.

No passado, não foi diferente. Mário Rui saiu do Vasco da Gama de Sines com 11 anos, para se juntar aos infantis do Sporting. Foi dispensado aos 17 anos. Juntou-se aos juniores do Benfica e foi dispensado dois anos depois.

A seguir, fez tudo devagar, sem nunca ter de dar um passo atrás. Primeiro, a II Divisão portuguesa (Fátima). Depois, apesar de comprado pelo Parma, da Série A, andou em empréstimos no fundo da II Divisão italiana (Gubbio), antes de um clube um pouco melhor nesse campeonato (Spezia).

Foi, depois, para um candidato ao título nessa Liga (Empoli), subindo à Série A. Acabou por subir novamente um pouco mais (para a Roma europeia), antes de se fixar, com a aventura falhada na capital, num Nápoles candidato ao título. Sempre aos poucos, mas sempre a subir.

Curiosamente, foi levado para Nápoles por Sarri, que tinha gostado dele quando se cruzaram no Empoli. E é agora campeão, com Spaletti, treinador que pouco o utilizou na Roma (ainda que uma lesão grave tenha contribuído).

Tem sido um caminho tortuoso, mas, para quem saiu do Alentejo e foi “chutado” pelos dois grandes de Lisboa ainda muito novo, esta carreira já pode valer festa rija em Sines.

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