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Com tricô e muito gelo: como é viver nesta estação de investigação do Árctico?
O Árctico está a aquecer mais depressa do que o resto do mundo. O trabalho dos cientistas tornou-se ainda mais importante com as alterações climáticas, mas tem sido dificultado pelas mudanças no gelo.
Na estação de investigação mais setentrional do mundo, os cientistas estão a apressar-se para compreender melhor como está a mudar o local que mais rapidamente aquece na Terra - e o que essas mudanças podem significar para o futuro do planeta.
Em torno da pequena cidade de Ny-Aalesund, bem acima do Círculo Polar Árctico no arquipélago norueguês de Svalbard, os dados científicos estão a tornar-se cada vez mais difíceis de aceder. E, por vezes, estão a desaparecer antes de os cientistas os poderem recolher.
Os cientistas que tentam recolher cilindros de gelo estão a encontrar os glaciares inundados pela água. Os locais de investigação estão a tornar-se mais difíceis de alcançar, uma vez que o degelo precoce da Primavera deixa o solo demasiado árido para ser percorrido por motas de neve.
Os investigadores têm vindo a estudar a região polar há décadas - os registos meteorológicos de Ny-Aalesund têm mais de 40 anos. Mas o trabalho dos cientistas tornou-se de importância vital à medida que as alterações climáticas se intensificam. Isto porque o que acontece no Árctico pode ter impacto nos níveis globais do mar, nas tempestades na América do Norte e na Europa e noutros factores muito para além da região gelada.
Enquanto o Árctico está a aquecer cerca de quatro vezes mais depressa do que o resto do mundo, em Svalbard as temperaturas estão a subir ainda mais depressa - até sete vezes mais do que a média global.
O Verão passado foi o mais quente de que há registo. As temperaturas de Agosto em Ny-Aalesund foram, em média, de 5,1ºC, cerca de 0,5ºC mais quentes do que o normal para o mês.
Os ursos polares - que ficaram mais famintos devido, em parte, à perda de gelo marinho, a sua área de caça - são vistos com mais frequência a rondar as ilhas próximas em busca de comida.
Jean-Charles Gallet, um glaciologista do Instituto Polar Norueguês que vem a Ny-Aalesund há cerca de 12 anos, disse que, enquanto os cientistas podiam antes viajar até Junho, agora não podem planear trabalho de campo após meados de Maio.
"A neve no vale desaparece e ficamos presos na cidade, com a mota de neve na garagem".
O clima em Ny-Aalesund tornou-se mais violento. Há algumas décadas, a neve começava a cair em Outubro, enquanto Fevereiro e Março eram os meses mais frios e calmos do ano. Hoje, já não é assim.
Neste Inverno, a neve só caiu a partir de Janeiro, com as tempestades a intensificarem-se no mês seguinte. "Estamos na tempestade número nove desde o início de Fevereiro. Uau. Nunca vi isto", disse Gallet no seu gabinete este mês, enquanto a chuva caía de um céu cinzento. "Ainda hoje, estamos no início de Abril, e chove."
Fundada como uma povoação mineira em 1916, Ny-Aalesund tornou-se um ponto de encontro para investigadores internacionais depois de vários acidentes mineiros mortais terem encerrado as operações na década de 1960.
A Noruega obteve a soberania sobre Svalbard durante as negociações de Versalhes, no final da Primeira Guerra Mundial. Este acordo permite que cidadãos de qualquer um dos 46 países que assinaram o tratado residam no arquipélago.
A Organização Europeia de Investigação Espacial (ESRO) instalou uma estação terrestre em 1967 para ajudar a seguir os satélites em órbita. Os geólogos e geofísicos começaram também a instalar campos de trabalho à volta do Kongsfjord, o grande fiorde que faz fronteira com Ny-Aalesund. Actualmente, 11 países, incluindo a China e a Índia, estão presentes em Ny-Aalesund. Mas a cidade tem apenas cerca de 35 habitantes durante todo o ano.
A vida quotidiana gira em torno dos divertimentos da cidade - uma sauna, um parque de cães de trenó e um encontro nocturno semanal chamado "Strikk og Drikk", ou "Tricotar e Beber", durante o qual os residentes cosem camisolas com um copo de vinho.
No Verão, a população de Ny-Aalesund aumenta para mais de 100 pessoas, à medida que os cientistas chegam de todo o mundo. Reúnem-se na cantina com fachada de vidro e vista para o Kongsfjord, onde um urso polar taxidermizado preside às refeições.
"Uma das coisas especiais deste sítio é que há muitos cientistas diferentes. Eu sou um químico. Há biólogos, geólogos", disse o investigador visitante François Burgay, do Instituto Paul Scherrer, na Suíça. "É um dos poucos sítios no mundo onde este tipo de intercâmbio é tão informal e tão espontâneo".
Esta colaboração interdisciplinar é importante para a investigação climática. Svalbard está a aquecer mais rapidamente do que quase qualquer outro lugar no Árctico e a cooperação pode ser fundamental para compreender como os impactos climáticos se propagam através do ecossistema polar, do oceano à atmosfera, das plantas aos animais.
Mas até Ny-Aalesund é instável. No ano passado, a Kings Bay AS, a empresa pública que gere a cidade, encerrou um laboratório onde os cientistas processavam amostras de peixe, neve e gelo. O degelo do permafrost tinha rachado os alicerces.
Quatro edifícios danificados pelo degelo do permafrost foram reparados na última década, disse à Reuters o director de operações da Kings Bay AS, Espen Blix, incluindo a loja da cidade, que os empreiteiros estão a reparar este ano com um orçamento de 6,9 milhões de coroas (658 mil dólares americanos). Outros cinco estão a precisar de reparações.
Ainda intactos estão a sauna e o jacuzzi da cidade, dando aos residentes a oportunidade de relaxar.
"A estação escura é muito agradável", disse o instrutor de segurança da cidade, Christer Amundsen, que vive em Ny-Aalesund a tempo inteiro desde 2019, referindo-se ao período de Outubro a Fevereiro em que o sol nunca atinge o horizonte, as estrelas brilhantes enchem o céu e as auroras azul-esverdeadas brilham sobre a povoação.