Por uma gestão integrada do património cultural nacional

Eu e muitos colegas no sector seguimos com apreensão as notícias sobre a transferência de competências das Direcções Regionais de Cultura para a esfera tutelar das CCDR. É uma má medida.

O Património Cultural de um país é um dos seus máximos esteios identitários. Seja ele histórico-artístico, monumental, arqueológico, antropológico, arquivístico, museológico, etnográfico, linguístico, corpóreo ou incorpóreo, aquilo que está em jogo, sempre, é o imperativo de assegurar a sua salvaguarda e valorização em termos de futuro.

A gestão do Património Cultural é, por isso, um dos esteios da Democracia e um dos pulmões das políticas públicas que incumbe aos governos cumprir. Tudo o que se fizer no sentido de estudar, identificar, preservar e revalorizar o nosso Património, que é riquíssimo tanto em termos quantitativos como qualitativos, nunca será demasiado.

Precisamos de uma política de gestão integrada que, sector a sector, reforce equipas técnicas, crie condições adequadas de trabalho, proteja os valores quando ameaçados, dote as áreas da conservação e restauro de melhores meios, agilize protecção legislativa eficiente e capaz, impeça atentados e furtos e puna os seus responsáveis, alargue o ensino, valorize seriamente o sector do turismo sem cair na tentação mercantilista ou na banalização massificada, e estimule a investigação científica e impulsione a inventariação omissa… em suma: um Estado que faça cumprir a legislação e as regras consensualmente estabelecidas num campo de tanta importância e tão ampla sensibilidade.

São estas as responsabilidades que incumbem ao Estado e que a DGPC e as Direcções Regionais de Cultura, através da sua estrutura orgânica, têm assegurado com mais ou menos carências, fruto do esforço dos seus técnicos, tarefas essas tantas vezes agilizadas de mãos dadas com os sectores privados, com a Igreja, as Universidades, as Academias e, acima de tudo, com as comunidades de pertença dos bens em apreço. Desde os anos 80 do passado século que se criou em Portugal um regime jurídico de preservação de bens e de funcionalização orgânica do Estado que, melhor ou pior, funcionou e deu frutos, sem deixar de estar atento à necessária descencentralização de serviços e tutelas mas sem pôr em risco a dimensão unívoca do seu papel de intervenção.

Ora este quadro coordenador está neste momento ameaçado! Se o corpo técnico e as estruturas de gestão no sector forem enfraquecidas, se os instrumentos legais de que dispunha forem pauperizados, qual o futuro do nosso Património? Continuaremos a chorar face às notícias cada vez mais repetidas que lamentam a destruição de uma anta alentejana, a espoliação de uma igreja ou um palácio, o desinvestimento na formação, no restauro e na investigação, a falta de pessoal e o estado de incúria num museu, ou a ruína inapelável em que se deixa cair este ou aquele património edificado (por vezes já classificado)?

Em suma: urge apostar numa gestão integrada destas mais-valias, melhorando o funcionamento dos organismos especializados do Estado. E a verdade é que, embora em moldes nunca ideais, a articulação de esforços no seio do Ministério da Cultura para o sector do Património já funcionou de modo satisfatório. É por isso que eu e muitos colegas no sector seguimos com apreensão as notícias sobre a transferência de competências das Direcções Regionais de Cultura para a esfera tutelar das CCDR (as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional). É uma má medida, que deve ser desde já inviabilizada e não seguir em frente: se as DRC forem pura e simplesmente extintas (e porquê? e para quê?), sendo as suas valências diluídas (ao invés de serem reforçadas!) em novas estruturas descentralizadas e sem idênticas competências, só pode nascer mesmo uma "reforma" empobrecedora, que retira peso ao próprio Estado central num sector em que nunca poderia abrir mãos.

Em nome das suas qualidades intrínsecas, o nosso Património Cultural exige mais, muito mais: trata-se de uma área em que o papel tutelar do Estado tem de ser muito mais forte e esclarecido.

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