Stephen documenta a vida com cancro terminal: “Continuo a querer ter esperança”

Stephen L. Starkman foi diagnosticado com cancro terminal. O fotolivro The Proximity of Mortality descreve as suas emoções e vivências. “Este é um trabalho sobre o fim da minha vida.”

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Imagem do fotolivro The Proximity of Mortality: A Visual Artist’s Journey Through Cancer ©Stephen L Starkman
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Imagem do fotolivro The Proximity of Mortality: A Visual Artist’s Journey Through Cancer ©Stephen L Starkman
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Imagem do fotolivro The Proximity of Mortality: A Visual Artist’s Journey Through Cancer ©Stephen L Starkman

Quando o fotógrafo e artista visual canadiano Stephen L. Starkman foi diagnosticado com cancro do pulmão, o seu mundo mudou instantaneamente. Levou-o até à urgência de um hospital de Toronto, em 2021, ainda durante a pandemia, uma dor aguda no lado esquerdo do corpo. Uma broncoscopia e uma biópsia revelaram tratar-se de um cancro do pulmão de pequenas células, que é menos comum e que cresce e metastiza mais rapidamente para outros órgãos.

“Algumas semanas após a conclusão de um ciclo de quimioterapia, um exame de rotina revelou que o cancro tinha alastrado até ao meu cérebro”, escreve nas páginas do fotolivro lançado em final de 2022 The Proximity of Mortality: A Visual Artist’s Journey through Cancer. “Entendo, assim, que é terminal.”

“Este é um trabalho sobre o fim da minha vida. Esse é esperado dentro das próximas semanas ou meses.”

“O primeiro sentimento que tive foi de traição, do meu corpo do esforço que sempre fiz por manter um estilo de vida saudável. (...) É um desafio constante evitar os pensamentos e sentimentos negros e encontrar as sementes da gratidão e da fé de que preciso." - Judy, paciente com cancro ©Stephen L Starkman
Estás sozinho, mesmo que tenhas todo o apoio possível. Aprendi que tenho de ser a minha própria estrutura de suporte para lidar com o medo." - Laura, paciente com cancro ©Stephen L Starkman
“Dizer que tive medo é um pouco. Foi avassalador. Senti-me desesperada. Pensei que ia morrer. Senti-me sem informação - sem pistas. Tinha tantas perguntas e nenhuma resposta." - Jasmine, paciente com cancro ©Stephen L Starkman
Auto-retrato de Stephen L Starkman ©Stephen L Starkman
Do fotolivro The Proximity of Mortality ©Stephen L Starkman
Do fotolivro The Proximity of Mortality ©Stephen L Starkman
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“O primeiro sentimento que tive foi de traição, do meu corpo do esforço que sempre fiz por manter um estilo de vida saudável. (...) É um desafio constante evitar os pensamentos e sentimentos negros e encontrar as sementes da gratidão e da fé de que preciso." - Judy, paciente com cancro ©Stephen L Starkman

O diagnóstico não foi, para Starkman, um choque. “Os meus pais morreram com cancro”, refere. A sua mãe faleceu com 39 anos e o seu pai 16 anos mais tarde. “Estaria a mentir se dissesse que fiquei chocado, mas fiquei surpreendido. E zangado.” Seguiu-se aquilo a que se refere como tendo sido uma das experiências mais difíceis da sua vida: “Contar à minha esposa e família.”

A sua “inevitável reacção de negação” revelou-se de uma forma “interessante”, descreve numa entrevista que concedeu à revista Lenscratch, que o próprio remeteu ao P3 em alternativa a uma entrevista directa. “Senti que as pessoas iriam desaparecer da minha vida, embora soubesse, no fundo, que o inverso iria acontecer.”

Inicialmente, Stephen L. Starkman era muito discreto no que toca à partilha do seu diagnóstico. “Era muito difícil contar às pessoas.” Uma maior abertura surgiu com a decisão de desenvolver um trabalho fotográfico que documentasse a sua vida enquanto doente com cancro terminal. “Quis criar algo que reflectisse as minhas emoções e que ajudasse outras pessoas”, resume.

“Noites sem dormir e dias sem descanso” estão na base das muitas imagens que criou e que descrevem, objectiva ou subjectivamente, os períodos de hospitalização e o intrincado leque de emoções que irromperam e que ainda assomam. “Existem muitos sentimentos que são complexos e com os quais é difícil conviver”, explica. “Sinto culpa por deixar as pessoas que amo. Tenho uma estranha sensação de que quando morrer irei sentir a sua falta, e não o inverso. É estranho.”

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Capa do fotolivro The Proximity of Mortality: A Visual Artist’s Journey Through Cancer, publicado pelo fotógrafo Stephen L Starkman

Muitas das fotografias que integram o livro foram tiradas durante um período de convalescença de uma sessão de quimioterapia mais forte e invasiva. “A confusão mental, as perturbações na visão e no paladar” estão traduzidas em algumas das imagens por meio de metáforas. Recuperou “o suficiente” para conseguir terminar o livro, recorda.

“Compartimentalizar”

“É incrivelmente surreal tentar entender e enfrentar a própria mortalidade”, disse a Jacque Rupp, em Setembro de 2022, para a Lenscratch. “É tudo sobre o desconhecido. Sobre o medo. Sobre uma proximidade inevitável. Sacode-me até ao meu âmago.” Teve “a sorte”, refere, de não ter sofrido tanto quanto esperava com os tratamentos de quimioterapia. “Tinha medo de perder o cabelo, as forças, de me sentir doente. Mas não foi assim na maior parte dos dias.” Mas é realista e sabe que o seu prognóstico não sofreu alterações. “É muito difícil e desafiante, mas aprendi a viver com ele, a ‘compartimentalizá-lo’.”

Desenvolveu mecanismos, com o tempo e com a ajuda da sua esposa, Debi, para conseguir conviver com a proximidade da morte. O fotógrafo esforça-se por “trancar aquilo que é arrebatador e viver no presente”, refere nas páginas do fotolivro que publicou de forma independente. “Tento viver o mais intensamente possível cada minuto, cada hora, cada dia, todos os dias. No entanto, como sempre, a espreitar a um canto está o medo e o relógio a contar. Ainda assim, continuo a querer ter esperança.”

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Do fotolivro The Proximity of Mortality ©Stephen L Starkman

Diante da iminência da morte, Starkman sente medo. Medo “do horror, do pesadelo, do sofrimento e do desconhecido”, conta à Lenscratch. Vi os meus pais suportar uma dor enorme, esse é o meu ponto de referência. E isso assusta-me muito. Sente, antecipadamente, uma tristeza enorme pelos que irão viver, de perto, a experiência da sua morte.

Starkman não é uma pessoa religiosa, e admite que isso é algo que influencia a forma como encara a mortalidade. Acho que a espiritualidade, para mim, está presente no meu sentido de humanidade para com as pessoas que estão em redor de mim, reflecte. “É difícil, para mim, confiar na espiritualidade. Acho que a ciência e a espiritualidade são incompatíveis. A ciência é limitada, assenta no método científico. A espiritualidade tem por base a crença, a esperança, e isso é algo que tem pouca consistência para mim. Não funciona.”

Assim, prefere centrar-se no presente. Integra um grupo de apoio para pessoas com doença terminal e tem ajuda de um assistente social. “Ajuda-me a lidar com os meus medos e a fazer alguns preparativos que têm que ver com as minhas finanças e algumas opções. Já experimentei meditação e exercícios de respiração e acho que essas técnicas me ajudam a acalmar.

Ponto de partida

O mais importante para si, neste momento, é a sua qualidade de vida. Debi, a sua conselheira e cuidadora, é um pilar essencial nesta fase, sublinha. “Ela impede-me de me desmoronar, embora eu saiba que tudo isto drena a sua vida, que ela tem de fazer muitos sacrifícios para poder ser a cuidadora de alguém com doença terminal.

A criação do projecto e do fotolivro, que pode ser adquirido em Portugal através de contacto directo com Starkman, também são uma peça importante. “Facilitou o processo de partilha da minha situação com outras pessoas, deu-me uma plataforma para poder ter conversas significativas com as pessoas que são importantes na minha vida e, ironicamente, tornou-se uma ferramenta para conseguirem ajudar-me.” Para além do testemunho de Starkman, o livro inclui o de outros doentes com cancro, que partilham as suas experiências, assim como o de um oncologista e alguns poemas da autora e sobrevivente de cancro Joanne Boyce.

O canadiano deseja, acima de tudo, que o seu livro se torne um documento importante para aqueles que enfrentam doença prolongada. “Quero que as pessoas obtenham aquilo de que precisam, pessoalmente, ao passarem tempo a folhear o livro, mesmo que seja uma experiência diferente para cada uma. Se o livro se tornar um ponto de partida para pensamentos, emoções, discussão e reflexão entre aqueles que enfrentam uma doença que ameaça a sua vida, a das suas famílias e cuidadores, então terá sido um sucesso.”

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