As tempestades são mais do que meros fenómenos naturais, sobretudo quando atingem as populações e causam estragos. Algumas deixam uma marca que perdura por décadas. Foi o caso do ciclone de 1941 em Portugal.

Esta foi uma das tempestades mais violentas a afectar o país inteiro. Estima-se que tenham morrido mais de cem pessoas, incluindo várias crianças, e que outras centenas ficaram feridas. Os estragos foram avultados: os telhados das casas voaram, as chaminés caíram, centenas de barcos afundaram-se. Por todo o país, milhares de árvores foram arrancadas com a força do vento.

A primeira vez que olhei com mais atenção para o ciclone de 1941 foi no dia de Natal. Ouvi falar nas fortes tempestades de vento e de neve nos Estados Unidos, que causaram várias mortes e impediram viagens pelo país coberto de gelo. Tentei perceber se já tinha havido um fenómeno de ciclogénese explosiva semelhante em Portugal. A resposta foi "sim".

Não é um fenómeno assim tão raro. Basicamente, acontece quando a pressão atmosférica baixa abruptamente num curto espaço de tempo. O ciclone era o nome dado na altura: agora, seria considerado uma tempestade extratropical com ventos extraordinariamente fortes.

Há 82 anos, a 15 de Fevereiro de 1941, essa tempestade de vento afectou todo o país e ainda provocou danos em Espanha. A intempérie varreu o território continental de sudoeste para nordeste, de Sagres a Bragança. Houve zonas do país em que a força do vento foi mais devastadora. Em Alhandra, por exemplo, morreram dezenas de pessoas afogadas nas águas do Tejo.

Quando comecei a pesquisar o tema, encontrei relatos apavorantes desse dia nos jornais de então. Precisamente em Alhandra, o trabalhador João Pereira, que estava no mouchão mesmo em frente à vila, relatava ao jornal O Século o que tinha vivido. "Foi horrível", começava por descrever. E continuou:

"Eu, o meu filho, Vitorino Pereira, e mais 27 companheiros logo que a tempestade começou tomámos as precauções possíveis. Recolhemos o gado e fomos todos para o sótão da Abegoaria. O vento assobiava de tal forma que parecia querer levar tudo pelos ares. Mulheres e crianças choravam.

Em dado momento, o telhado voou em estilhas. Os gritos e as súplicas redobraram. Era um inferno!... E o vento cada vez a soprar mais forte! A água subia, inundando tudo. Não houve remédio senão utilizar o último recurso que nos restava: passámos para o telhado da casa dos bois. Depois, não sabemos explicar como aquilo foi! Não sei! Não posso explicar.

Veio uma onda. Outra. Fechei os olhos… Ao dar por mim, estava sobre uma esteira. Conforme pude agarrei outras duas esteiras, que flutuavam junto a mim. Serviram-me de recurso. Com esta espécie de jangada procurei alcançar terra no outro mouchão. Perto, seguia meu filho, lutando também com as vagas; mais atrás, três outros companheiros". 

Depois, conta como viu um pai e dois filhos serem levados pelas ondas do rio. "Parece que ainda os estou a ver… O Armando e o Manuel [de 19 e 13 anos] gritavam pelo pai. Este, esbracejando nas ondas, bem lhes queria valer, mas não podia. Houve um golpe mais forte de vento. As águas ergueram-nos a grande altura. Depois não mais consegui vê-los! Devem ter morrido, agarrados um ao outro. Quanto ao pai ainda o vi esbracejar para logo ser também engolido pelas vagas. Que horror". E findou: "Dos outros companheiros não sei. Devem estar mortos". No dia seguinte, eram mesmo dados como mortos no jornal.

Quando fui em reportagem, quem ainda se lembrava da passagem deste ciclone em Alhandra dizia que tinha sido um "demónio" de vento e de destruição. Até hoje, disse-nos o meteorologista do IPMA Paulo Pinto, nenhuma tempestade provocou tamanha destruição em Portugal, se analisarmos o território continental como um todo. Houve outros fenómenos intensos – como as cheias de 1967 ou a tempestade Leslie, em 2018 –, mas foram mais localizados. "Nada que se comparasse com isto...", garantiu o meteorologista.

Falei ainda com Rosária Cardoso, de 85 anos, que nos confiou que a única memória que tem do pai é do dia em que ele morreu por causa do ciclone. Foi na aldeia da Gralheira, no distrito de Viseu, que o seu pai, Joaquim do Simplício, foi atirado pelo vento e acabou por morrer. Ficou coberto de neve.

Este é também um retrato da situação em que vivia o país em 1941. É a história de como um desastre natural desfez num sopro o sustento de milhares de pessoas, que se dedicavam à pesca e à agricultura. Ficaram sem apoio num país marcado pela pobreza e pela ditadura. "Foi uma situação catastrófica para o país", resumiu-nos a geógrafa Adélia Nunes.

Apesar de ser uma tragédia do passado, permite-nos também olhar para o futuro. Mesmo não havendo provas de que as tempestades de vento, como esta de 1941, se possam tornar mais frequentes com as mudanças no clima, o que sabemos é que as alterações climáticas tornarão outros eventos meteorológicos extremos mais frequentes e mais intensos. Os avisos são claros – e a prevenção e adaptação não podem ficar para amanhã.