As minhas mãos não precisaram de muitos dias com temperaturas baixas para ceder. Estão cheias de pequenas feridas (uma delas não é tão pequena assim), causadas pelo frio dos últimos dias.

Já deveria estar habituado a isto (todos os Invernos, no período mais crítico, é sempre a mesma história), mas nunca me lembro de comprar um bom par de luvas. Resta-me agora esperar que o creme adquirido na farmácia faça alguma coisa (e, enquanto não fizer, sofrer em silêncio na hora de lavar a loiça).

É Inverno e está muito frio. Normal, não? Sim, normalíssimo. Anormais, esses sim, terão sido alguns dos Invernos que tivemos em anos recentes. Invernos sem períodos de frio talvez tão relevantes como aquele que estamos a viver neste momento, graças a um anticiclone que transportou para a Península Ibérica uma massa de ar frio proveniente do Norte da Europa.

"Episódios anticiclónicos são perfeitamente comuns nos nossos Invernos", garantiu-nos, no início desta semana, o meteorologista Pedro Sousa, do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). Qual é, então, a novidade? Na óptica do especialista, será a seguinte: como se calhar estamos a ficar habituados a Invernos mais amenos, começamos a "notar mais" os (progressivamente menos comuns) episódios de frio mais severo. Episódios como o actual, que já levou o IPMA a colocar, por mais do que uma vez, todos os distritos de Portugal continental sob aviso amarelo devido às temperaturas baixas.

Não é preciso recuar muito para ver que os Invernos estão a ficar diferentes. No início de 2022, noticiava-se que Dezembro de 2021 tinha sido o quarto Dezembro mais quente dos últimos 90 anos em Portugal. Na Zambujeira, chegou então a haver um dia em que a temperatura máxima atingiu uns assustadoramente elevados 26,4 graus Celsius.

Antes disso, em Janeiro de 2021, fizera muito frio em Portugal, mas esse mês também foi, a nível global, o sexto Janeiro mais quente desde que há registos. Em 2022, tivemos em Janeiro tempo bastante quente e seco — e tivemos também, a fechar o ano, o Dezembro mais quente em Portugal continental desde que há registos, com uma temperatura média de 12,72 graus (um valor 2,75 graus acima do normal). Enfim...

O frio é incómodo, mas, por outro lado, a ciência está farta de nos alertar para os perigos das alterações climáticas e de Invernos mais quentes do que deveriam ser. Num mês que começou com uma onda de calor a atravessar o território europeu, estamos agora a viver dias de Inverno. São dias importantes, por mais que não sejam imensamente confortáveis. Isto é normal.

Eis o que não é normal (ou não deveria ser): termos tanta gente afectada pela pobreza energética. Esta quarta-feira, a jornalista Ana Brito escreveu no PÚBLICO que o país tem entre 660 e 680 mil pessoas a viver em situação de pobreza energética severa. Estas são as mais desfavorecidas dos 1,8 milhões a três milhões de portugueses afectados pela pobreza energética. Os números vêm da Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética 2022-2050 (ENLPCPE 2022-2050), documento colocado recentemente em consulta pública pelo Governo.

"Não vamos estar a ligar [o aquecedor] a torto e a direito, porque as facturas da luz são uma coisa doida. Com a inflação, é um Deus nos acuda! Nós sabemos que, com o disparar do preço da energia, estarmos a ligar o aquecimento para ter mais conforto vai custar uma pipa de massa." As palavras são de Helena Cardoso, com quem Ana La-Salete Silva e Tiago Bernardo Lopes falaram esta semana no bairro do Falcão, no Porto, onde mora.

A sua casa foi uma das habitações que a câmara requalificou naquela zona, para melhorar o isolamento térmico dos edifícios residenciais e, consequentemente, as condições de vida dos moradores. As obras resolveram alguns problemas, mas deixaram por corrigir outros. E criaram ainda dores de cabeça adicionais: agora, a casa tem uma marquise cuja inclinação para dentro faz com que o sol entre mas também a água da chuva e o frio.

Mas Helena olha para o copo meio cheio. Há divisões onde é capaz de combater o frio, nem que seja com a ajuda de mais um cobertor, um aquecedor, o marido e a gata. E a verdade é que, apesar de tudo, a casa está hoje em melhor estado. A sua situação, entende, acaba por não ser das mais dramáticas. "Há pessoas a viver em condições piores." Há, sim. Só em Portugal, há, pelo menos, 600 mil pessoas.