Parir de pé

Com uma das mãos, apoiou-se com vigor no meu ombro, e com a outra no lavatório. Fazia força e rugia tal qual uma leoa.

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A mulher colocou as duas mãos na vagina ao sentir que a vulva se ampliava, fazendo antever uma enorme cabeça de bebé. O cocuruto calvo com um diâmetro enorme, de tamanho insólito. Despida do sutiã para baixo, a mulher encontrava-se de pé com as pernas ligeiramente flectidas, preparando-se para fazer, como uma bailarina desajeitada, um grand-plié, a abertura necessária para expulsar a criança do corpo. Os olhos sempre cerrados, com muita força, davam-lhe um ar de angústia cinematográfica.

Com uma das mãos, apoiou-se com vigor no meu ombro, e com a outra no lavatório. Fazia força e rugia tal qual uma leoa. Não tinha coragem de a olhar directamente, por isso tudo a que assisti foi através do espelho instalado sobre o lavatório, lendo a imagem ao contrário como numa fotografia.

Não fosse a potencial gravidade da situação e ter-me-ia rido, mas ao sentir as unhas da mulher cravando-se na minha pele contive, em vez de uma gargalhada, um gemido de dor. Pensei por momentos que aquilo podia correr mal. Há muito me acostumei a tragédias. Seria mais uma para somar ao rol de situações em que a vida me foi madrasta. A mulher tornou a rugir, muitíssimo alto, atingindo provavelmente o topo da escala de decibéis; senti latejar a cabeça. Depois flectiu um pouco mais as pernas e, fazendo uso da mão direita, antes apoiada no lavatório, colocou-a na cabeça do bebé prestes a sair do seu sexo.

Acocorei-me então junto ao evento vaginal, indo contra a vontade da parturiente que recusou qualquer espécie de ajuda. Aproveitei-me do facto de a mulher continuar com os olhos fechados. Calculei que a criança fosse rasgá-la toda, o melhor seria dar-lhe um golpe – mal terminei de formular este pensamento, o sexo da mulher rasgou-se por mais de dez pontos de cosedura, da vagina ao ânus. E logo uma cabeçorra gigante surgiu por inteiro do seu sexo, seguida por um par de ombros fortes, uma barriga roliça e duas pernas bem compridas, terminadas por uns pés que equivaliam em tamanho a uma criança de pelo menos seis meses fora da barriga. A criança, amparada pelas minhas mãos e ainda presa à mãe pelo cordão umbilical, rompeu então o silêncio do espanto com um berreiro grave, nunca antes ouvido num recém-nascido. A mulher abriu os olhos, pegando na criança cheia de sangue e outras viscosidades corporais e, pondo-a ao colo, fixou-a com os olhos que se liquefizeram numa torrente de alívio e emoção.

– É uma rapariga – disse com evidente assombro. – As mulheres ainda devem ser paridas de pé, entende?

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