Cancro do pulmão: conhecer os sintomas pode salvar a sua vida

Quanto mais cedo o cancro do pulmão for diagnosticado maior é a probabilidade de sobrevivência. Por isso, sintomas como tosse, cansaço, falta de ar ou dor torácica devem levá-lo ao médico sem hesitar.

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Aquilo que é verdade para a generalidade dos cancros – ou seja, que o diagnóstico precoce é determinante para a sobrevivência do doente – torna-se ainda mais verdade quando o assunto é cancro do pulmão. Isto porque em causa está não só um dos cancros mais frequentes no mundo – só ultrapassado, de muito perto, pelo cancro da mama – como também o que mais mortes provoca. A Organização Mundial da Saúde estima que, em 2020, 1,80 milhões de pessoas morreram devido a este cancro, 4797 das quais em Portugal.

Prestar atenção aos sintomas que podem sugerir a presença desta doença é, pois, fundamental, como realça a pneumologista Teresa Almodovar, presidente do Grupo de Estudos do Cancro do Pulmão (GECP). Novembro é o mês de sensibilização para o cancro do pulmão e o convite é claro: procure de imediato um médico perante sintomas como tosse persistente com ou sem expectoração, cansaço, falta de ar ou dor na zona do peito. Uma vez que “estes sintomas são comuns a outras doenças respiratórias”, importa descobrir a sua causa o mais rapidamente possível, com vista a um diagnóstico precoce e tratamento atempado.

Tabaco – o maior inimigo

Tal como todas as doenças oncológicas, o cancro do pulmão “resulta do mau funcionamento das células num determinado órgão, as quais deixam de se modificar para exercer a sua função, multiplicando-se de forma anárquica”, explica a médica Teresa Almodovar. Sendo um tumor maligno, há a possibilidade de se expandir para outros órgãos, através das chamadas metástases, as quais podem localizar-se em vários órgãos, mais frequentemente no cérebro, fígado, ossos ou glândulas suprarrenais.

Quanto à principal causa e ao factor de risco número um para o desenvolvimento deste tipo de tumor, a resposta da especialista é inequívoca: “O tabagismo é o maior factor de risco que existe, sendo responsável por cerca de 85% dos casos de cancro do pulmão”. Todavia, salienta que o tumor pode também desenvolver-se devido ao tabagismo passivo ou a exposição a outros elementos poluentes, como o radão. “Neste momento, a exposição ambiental é uma preocupação muito grande, nomeadamente nos países mais desenvolvidos, onde o tabagismo já tem menor prevalência. Nos países onde o tabagismo ainda não foi tão erradicado, o cancro do pulmão continua a ser sobretudo causado pelo tabaco”, refere a também directora do Serviço de Pneumologia do Instituto Português de Oncologia de Lisboa.

Ainda assim, “há também casos de pessoas com cancro do pulmão que não são fumadoras nem mantiveram exposição passiva ou ambiental”, falando-se aqui de cancro do pulmão sobretudo relacionado com alterações genéticas. Contudo, a especialista adverte que não se trata de uma questão hereditária, mas sim de “uma alteração genética que se desenvolve na pessoa”.

Sintomas tardios e inespecíficos

Um dos maiores desafios do cancro do pulmão reside no facto de este poder desenvolver-se “sem dar sintomas durante muito tempo”, reconhece a especialista, “e, quando dá sinais, estes são comuns a outras doenças respiratórias”. Tosse com ou sem expectoração, falta de ar, cansaço, sangue na expectoração e dor torácica, são alguns desses sintomas. Posteriormente, quando a doença se espalha para outros órgãos, os sintomas podem incluir cansaço generalizado e, conforme as áreas do corpo que atinge, “pode provocar dores nos ossos se se espalhar para os ossos, assim como alterações de comportamento ou alterações na sensibilidade ou de mobilidade se se espalhar para a cabeça”, enumera. “O facto de ser uma doença que, nas situações iniciais, não dá sintomas, permite que o tumor cresça sem que a pessoa saiba, e quando dá sintomas a doença pode já estar avançada”, diz, acrescentando que “os tratamentos nesses estádios avançados são relativamente pouco eficazes, embora ofereçam melhorias”.

Perante os primeiros sintomas, a recomendação é uma só: procurar aconselhamento do médico assistente o mais rapidamente possível. “O especialista em Medicina Geral e Familiar sabe os procedimentos necessários, que passam por pedir a realização de uma TAC [Tomografia Axial Computadorizada] de tórax”, indica Teresa Almodovar. Já o diagnóstico do cancro do pulmão é feito no contexto da especialidade de Pneumologia, mas “nem toda a gente que tem estes sintomas tem um cancro do pulmão, razão por que a recomendação passa por procurar o médico assistente”.

Como é decidido o tratamento?

Existem vários tipos de cancro do pulmão, pelo que saber qual é o tipo em causa, bem como determinar a fase em que se encontra em termos de evolução, é prioritário para decidir qual o tratamento mais adequado. A maioria dos cancros do pulmão, cerca de 80%, são do tipo cancro do pulmão de não pequenas células (CPNPC) e aqui os tumores mais frequentes são o adenocarcinoma e o carcinoma epidermoide, também designado por carcinoma escamoso. Segundo a pneumologista, “o adenocarcinoma é o tumor em que há mais alterações genéticas tratáveis e, portanto, é o tumor tratado com mais frequência com terapêuticas dirigidas”. Já “o carcinoma epidermoide ou escamoso é cada vez menos frequente, porque é devido a hábitos tabágicos muito marcados, como cigarros sem filtro”. Os restantes 20% são do tipo cancro do pulmão de pequenas células (CPPC).

De acordo com a presidente do GECP, “uma avaliação completa da doença passa sempre pela realização de uma TAC de tórax, bem como por um exame de diagnóstico, que geralmente é uma broncofibroscopia – um exame em que se insere um tubo pelo nariz para recolher material dos pulmões – ou uma punção aspirativa transtorácica guiada por TAC”. Além disso, realiza-se ainda uma PET (Positron Emission Tomography), para detectar a eventual presença de actividade cancerígena no corpo inteiro. Pode ainda ser realizado um exame de imagem de cabeça – por exemplo, uma TAC ou uma ressonância magnética – para se conhecer com exactidão a extensão da doença.

Além de se determinar o tipo e a extensão do tumor, há também que avaliar o estado de saúde do doente, isto é, “perceber se a pessoa tem condições físicas para ser tratada”. Para debater tudo isto, “deve ser feita uma reunião de decisão terapêutica, em que todos os médicos das diversas especialidades intervenientes são ouvidos. A seguir a isso, decide-se a terapêutica”, esclarece.

Inovações terapêuticas trazem esperança

Em relação ao CPNPC, este “é tratado com as mesmas armas terapêuticas da maioria dos cancros, ou seja, cirurgia, radioterapia e terapêutica sistémica”. Nesta última inclui-se, além da quimioterapia clássica, a imunoterapia e as terapêuticas dirigidas. De acordo com Teresa Almodovar, “quando a doença é local, isto é, só contida no pulmão, habitualmente a melhor decisão é a cirurgia. Quando a doença está no pulmão e ainda em mais algum sítio, mas sempre no tórax, junta-se à cirurgia outras terapêuticas, nomeadamente, quimioterapia, radioterapia ou imunoterapia. Quando a doença é sistémica, ou seja, está espalhada para fora do tórax, trata-se habitualmente com quimioterapia, ou imunoterapia ou terapêuticas-alvo”. “Esta decisão depende do tipo de tumor, por isso é que é importante conhecê-lo”, reforça.

Felizmente, também no que diz respeito ao cancro do pulmão a ciência tem permitido avanços consideráveis. A médica destaca a possibilidade de se fazer um tratamento dirigido a quem possui determinadas alterações genéticas, nomeadamente, a mutação do gene EGFR e a translocação do gene ALK. Em causa, estão terapêuticas dirigidas com fármacos orais que “permitem mais tempo de vida e melhor qualidade de vida” aos doentes que apresentam aquelas características específicas.

Por outro lado, salienta sobretudo a imunoterapia como uma importante inovação. “Neste momento, a imunoterapia mudou muito a perspectiva do tratamento destes doentes, pelo que será o avanço mais significativo em termos globais”, sublinha. Outro progresso assinalável passa pela “possibilidade de fazer uma radioterapia mais dirigida, quer para tratamento, quer para paliação de sintomas”. Nas palavras da médica, isto “é muito importante quando se faz radioterapia com quimioterapia, porque permite um tratamento com menor toxicidade para o pulmão, além de que também é muito importante para o tratamento das metástases, nomeadamente, quando há metastização cerebral”.

Comunicação e estigma: os desafios

Questionada sobre os principais desafios que esta doença coloca, a especialista aponta a comunicação e a literacia em saúde como grandes problemas a resolver. Por um lado, e como já referido, “é necessário que as pessoas tenham consciência que os sintomas identificados podem ser de cancro do pulmão e procurem um médico”. Mas acontece frequentemente “as pessoas deixarem-se andar”, muito devido ao facto de os sintomas serem “muito banais”, especialmente nas fases iniciais. Por outro lado, “há um estigma importante em relação ao cancro do pulmão, porque está ligado a hábitos tabágicos, que são mal vistos”, reconhece, além de que “há a noção que este é um cancro de mau prognóstico e é difícil para as pessoas encararem essa situação”.

A sensibilização para esta doença deve ser também aumentada junto dos profissionais de saúde que estão mais próximos dos doentes, pois aqueles “nem sempre pensam que os sintomas podem ser cancro do pulmão”, observa. Ou seja, as queixas devem ser valorizadas e a possibilidade de se tratar desta patologia deve ser equacionada.

Em termos mais gerais, no que diz respeito ao acesso ao diagnóstico e ao tratamento, defende que “há vários tipos de dificuldades, mas que variam conforme os hospitais, isto é, não há uma dificuldade comum a todos os sítios”.

Rastreio: uma possibilidade no futuro

Tendo em conta a elevada mortalidade provocada pelo cancro do pulmão, será que faria sentido a implementação de um programa de rastreio? Teresa Almodovar confirma que “há estudos feitos, quer nos EUA quer na Europa, que permitem dizer que um programa de rastreio diminui a mortalidade por cancro do pulmão ao diagnosticar a doença em estádios mais precoces”. Todavia, “neste momento, ainda não existe na Europa nenhum rastreio a nível populacional global”, ainda que tal possa acontecer em breve, pois, em 2019, “a União Europeia adoptou e aconselhou o rastreio do cancro do pulmão”, o qual está a ser ponderado por diversos países, nomeadamente, por Portugal.

Porém, importa realçar que um programa de rastreio implica muito mais do que apenas a realização de um exame, ou seja, inclui “toda uma árvore de decisão relacionada com exames e terapêuticas, conforme aquilo que é encontrado no primeiro exame”, explica a médica, com a necessidade de seguir a pessoa ao longo do tempo. Isto porque “os rastreios avaliam a população durante os anos em que esta está em risco”. Mas a verdade é que nada disto substitui a procura de aconselhamento médico em caso de sintomas, até porque “o exame realizado pelo rastreio pode não indicar a presença de nenhuma alteração hoje, mas esta acabar por se desenvolver no mês seguinte”. Assim, lembre-se: se tem sintomas suspeitos, procure o seu médico quanto antes. A sua vida pode depender desse gesto.