Cuidadores informais: há apoios, mas ainda são insuficientes

Apesar da aprovação do Estatuto do Cuidador Informal, há ainda um longo caminho a percorrer para apoiar condignamente quem dedica o seu tempo a cuidar de alguém no nosso país.

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São muitas as pessoas que dedicam os seus dias – a sua vida, nalguns casos – a cuidar de alguém. São os chamados cuidadores informais, que no nosso país são cerca de 1,4 milhões, de acordo com dados recolhidos através de inquérito pelo Movimento Cuidar dos Cuidadores Informais. E se é verdade que um grande passo já foi dado no sentido de apoiar estas pessoas, graças à criação do Estatuto do Cuidador Informal (ECI), não é menos verdade que “ainda há um caminho longo que necessita de ser trilhado”, como refere em entrevista Margarida Costa, assistente social e elemento da Coordenação Nacional de Apoio Social da Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC), associação que integra o Movimento Cuidar dos Cuidadores Informais.

Com efeito, ao ser criado, em 2019, o ECI veio finalmente regular os direitos e deveres do cuidador e da pessoa cuidada, estabelecendo as respectivas medidas de apoio, como forma de compensar e ajudar quem se encontra numa situação de grande vulnerabilidade e dependência. Em Janeiro deste ano, o ECI foi alargado a todo o território continental, depois de ter funcionado em regime de projecto-piloto em três dezenas de concelhos do país. Entre as principais novidades trazidas pelo alargamento do apoio contam-se não só a extensão em termos territoriais, mas também a simplificação do processo, a redução do prazo de resposta aos pedidos de reconhecimento do estatuto, e ainda a possibilidade de um período de descanso para o cuidador informal. Recentemente, e com vista à efectiva concretização do ECI, no dia 5 de Novembro – data em que se assinala o Dia Nacional do Cuidador Informal – entrou em vigor a comissão de acompanhamento, monitorização e avaliação do ECI.

Mas se o objectivo é, de facto, apoiar cuidadores e doentes, muito há ainda por fazer. Como realça a também responsável pela Unidade de Serviço Social do Núcleo Regional do Centro da LPCC, “o acesso ao Estatuto do Cuidador Informal é difícil e passa por um percurso longo” e, além deste apoio, não há nenhum outro a que os cuidadores possam recorrer.

Dificuldades na obtenção do apoio

Para que o ECI seja atribuído, “o cuidador e a pessoa cuidada têm de ter determinadas características”, explica Margarida Costa, o que acaba por limitar muito o acesso. “No caso da pessoa cuidada, por exemplo, tem de ser não só beneficiária de Complemento por Dependência como também tem de se encontrar em situação de dependência de terceiros e necessitar de cuidados permanentes”, esclarece. “Ora, o acesso ao complemento é cada vez mais difícil e um processo moroso”, lamenta a assistente social, além de que “existem doentes que estão temporariamente dependentes, com necessidade de cuidados, e não lhes será atribuído este complemento e/ou não será reconhecido ao seu cuidador o estatuto de cuidador informal”, pelo que “nestes casos, o cuidador está completamente desprotegido”.

A situação pode ser realmente muito complexa já que “as baixas para apoio a um familiar – que não seja filho – não dão lugar a subsídio de doença e isso pode levar, por exemplo, a duas situações: ou a pessoa deixa de trabalhar para cuidar do seu familiar e há uma quebra muito relevante nos rendimentos do agregado familiar, ou o cuidador não tem alternativa que não seja deixar o seu familiar sem os cuidados de que realmente necessita para poder ter meios de subsistência”, constata Margarida Costa, segundo a qual, “aqui existe uma falha enorme, uma desprotecção completa destes cuidadores”.

É, pois, de admitir que as dificuldades no acesso ao ECI expliquem a enorme discrepância entre o número de cuidadores informais apurado pelo Movimento Cuidar dos Cuidadores Informais – cerca de 1,4 milhões, como referido no início deste artigo – e os cerca de 11 mil reconhecidos oficialmente, dos quais apenas 2689 têm subsídio atribuído, de acordo com o Grupo de Trabalho do Cuidador Informal da Segurança Social.

Quem cuida de quem cuida?

Entre as alterações que deveriam ser feitas ao ECI, Margarida Costa não hesita em apontar que o acesso ao mesmo deveria ser facilitado, além de que o subsídio deve poder “ser concedido a quem cuida de doentes que não beneficiam de Complemento por Dependência ou que beneficiem do mesmo, mas cuja situação clínica comprove limitações impeditivas da satisfação das necessidades básicas”.

Por outro lado, defende também que “o caminho para a integração dos doentes na Rede Nacional de Cuidados Continuados ou noutras valências, para alívio do cuidador, deveria ser mais facilitado e ser uma resposta gratuita”. Isto porque “os cuidadores são-no, na sua maioria, a tempo inteiro. Sofrem um desgaste físico e, sobretudo, emocional, brutal”. Por esta razão, a responsável questiona mesmo: “Afinal, quem cuida destes cuidadores?”

Fazer mais e melhor é possível – e necessário

Questionada sobre o que poderia facilitar a vida dos doentes e dos seus cuidadores, em termos de direitos sociais em geral, Margarida Costa defende que “os cuidadores de doentes cujo acesso ao ECI não tem enquadramento, deveriam, eles próprios, beneficiar de uma remuneração, um subsídio de apoio ao familiar com doença crónica, ou ser-lhes permitido trabalhar a tempo parcial ou em regime de teletrabalho”.

Outra alteração que poderia ser levada a cabo passa, por exemplo, pelos subsídios de doença, os quais “não deveriam ser apenas pagos a 55% no primeiro mês de baixa, 60% no segundo e terceiro meses, 70% a partir do quarto mês, e 75% após um ano, no caso dos beneficiários da Segurança Social”. E isto porque, como salienta, “o tratamento da doença oncológica é, na sua maioria, muito longo, os doentes são penalizados em termos de rendimentos, de forma muito significativa e durante muito tempo”. “O subsídio de doença é atribuído, no máximo, por três anos, no caso de trabalhadores por conta de outrem e, após este período de tempo, poderão ficar completamente desprotegidos, sem acesso a qualquer prestação”, denuncia.

Doentes oncológicos - os apoios que existem

Apesar das lacunas, existem, todavia, alguns direitos e benefícios consagrados na lei para apoio aos doentes oncológicos, os quais até são de fácil acesso, exceptuando alguns casos, como veremos mais à frente. De acordo com a assistente social, “para obtenção de alguns desses direitos, os doentes oncológicos deverão ser portadores de um Atestado Médico de Incapacidade Multiuso [AMIM)], que para doentes com diagnóstico confirmado durante a pandemia deverá ser requerido no hospital onde foi efectuado o diagnóstico; e no centro de saúde da área de residência, através do delegado de saúde, para diagnósticos anteriores à pandemia ou para situações de reavaliação do grau de incapacidade”. Caso o grau de incapacidade seja igual ou superior a 60%, “os doentes ficam isentos do pagamento de taxas moderadoras e podem, por exemplo, ter acesso a produtos de apoio prescritos por médicos do SNS e comparticipados pela Segurança Social”, enumera.

No que diz respeito aos benefícios disponibilizados pela Segurança Social, os doentes “poderão ter acesso à Prestação Social para a Inclusão, mediante condições específicas”. Têm ainda “direito a benefícios fiscais e isenção do pagamento do Imposto Único de Circulação”, além de que “poderão ainda existir benefícios relacionados com empréstimos para habitação, bolsas de estudo para doentes oncológicos que pretendam aceder ao ensino superior, entre outros”.

Há ainda outras respostas disponibilizadas pela Segurança Social que não estão dependentes do AMIM, nomeadamente, o subsídio por doença, quando a incapacidade para o trabalho é certificada pelo médico; pensão de invalidez, ao abrigo da protecção especial na invalidez, quando o doente não está apto para retomar a sua ou qualquer outra actividade profissional; e o Complemento por Dependência, quando já não consegue satisfazer parcial ou definitivamente as suas actividades de vida diárias. Margarida Costa frisa que “estes e outros direitos constam, de forma detalhada, no Guia dos Direitos dos Doentes Oncológicos, elaborado pela LPCC e disponível no seu site”.

Burocracia e entraves aos direitos existentes

Os direitos existem, mas a burocracia é uma queixa recorrente e “ainda existe alguma falta de informação”, ou seja, nem sempre os doentes têm conhecimento dos benefícios a que podem aceder ou como, admite Margarida Costa. E se o acesso a muitos deles não é complexo, já o mesmo não se pode dizer em relação a outros, nomeadamente, os que estão relacionados com benefícios para crédito à habitação ou acesso a trabalhos melhorados (isto é, quando os doentes regressam ao trabalho com limitações físicas após o cumprimento dos tratamentos). Estes são, aliás, “alguns dos temas que levam a que os doentes procurem orientação junto do Apoio Jurídico da LPCC”, reconhece o elemento da Coordenação Nacional de Apoio Social daquele organismo.