Quem escreve emails conhece os dilemas das nuances da comunicação escrita – e o tempo que se perde a navegar por eles. Começamos com um "Boa tarde" ou com um "Caro"? Terminamos com "Cumprimentos" ou damos o passo extra de acrescentar "Os melhores"? Pomos um emoji sorridente, correndo o risco de parecermos infantis e informais, ou paramos no ponto final, abrindo a possibilidade de o tom amistoso não ser percebido pelo destinatário? (Por via das dúvidas, é melhor um sorridente emoji, que mais vale informais do que antipáticos :) Já estamos no ponto de nos despedirmos com "Beijos" ou "Abraços"? E, particularidade portuguesa, saudamos a pessoa pelo nome ou temos de o prefaciar com um comboio de honorabilidades e títulos académicos?

Nos últimos anos, ferramentas de email (como o Gmail ou o Outlook) introduziram funcionalidades para sugerir palavras, capazes, entre outros atalhos de escrita, de oferecer respostas para aquele género de dilemas (embora não necessariamente a melhor resposta). Estas ferramentas surgiram em nome da rapidez e da conveniência. Escrevemos umas palavras, ou apenas algumas letras, e o sistema sugere o resto. Este tipo de tecnologia começou de forma subtil e inócua. Mas representa uma mudança profunda, com consequências difíceis de prever.

Escrever uma palavra num computador costumava ser uma tarefa sem mediação (exceptuando a mediação física do teclado ou dispositivo análogo). A ligação era tão directa quanto possível entre o que pensávamos e o que surgia escrito. Hoje, algoritmos capazes de actuar em tempo real intrometem-se no processo. 

 
           
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          5G: Todos os segundos contam… nas cidades

Uma cidade próxima e verde. Parece utopia, mas é um cenário cada vez mais real, graças à tecnologia. E o 5G assume-se como uma ferramenta, por excelência, para dar corpo a esta nova visão de urbe, em que o foco é a sustentabilidade e as pessoas recuperam o protagonismo. E não é utopia: já está a ser feito em Portugal, num caminho liderado pela NOS, que se posiciona como agente activo e decisivo desta transformação.

         
           
 

Por exemplo: talvez estivesse a pensar despedir-se de alguém com um abraço, mas o Gmail sugeriu cumprimentos. Aceitou (é mais rápido seguir a sugestão e sempre retira algum peso àquela micro-decisão). Agora, aquele pequeno elemento de comunicação, que tem potencial para influenciar as futuras interacções com o interlocutor (mais ou menos formais, mais ou menos descontraídas), foi definido por aquilo que cientistas do Google descrevem, neste artigo de 2019, como um modelo de linguagem personalizado. Se tem uma conta de Gmail, há um modelo para si; há um para cada utilizador.

O artigo começa por elencar os desafios. Um deles é a latência: o sistema tem de funcionar quase a cada premir de tecla. Outro é a personalização: os utilizadores "muitas vezes têm os seus próprios estilos únicos de escrita de emails" e "o novo sistema precisa de captar o carácter único dos seus estilos pessoais". Um outro é a "justiça [fairness] e privacidade", estranhamente aglomeradas no mesmo ponto: as preocupações de privacidade são as habituais, às quais se acrescentam preocupações com os potenciais vieses no treino dos algoritmos. 

Um caso recente ilustra como os algoritmos de sugestão de texto vão muito além de saudações, despedidas e mensagens curtas. 

O CEO de uma empresa tecnológica chamada Mailchimp escreveu um email aos funcionários em que afirmou que o hábito de as pessoas se apresentarem referindo o pronome pelo qual querem ser tratadas era "completamente desnecessário" nos casos de "uma mulher (que é claramente mulher)" e de "um homem (que é claramente um homem)". 

Por entre a polémica que se seguiu, a fundadora da Textio, uma empresa que vende tecnologia para escrutinar textos e sugerir melhorias, decidiu analisar o email e publicou o resultado no Twitterum rotundo zero. O texto é descrito pelo software como "muito mau", porque, entre outras coisas, "inclui linguagem agressiva", "precisa de mais linguagem centrada em equipas", "usa linguagem ofensiva" e "usa clichés empresariais".

A fundadora da Textio é doutorada em Linguística e Ciência Cognitiva. A empresa tem software específico para melhorar textos relativos a recrutamento de profissionais e outro destinado a mensagens de feedback enviadas por chefias a trabalhadores. O objectivo é eliminar enviesamentos (incluindo de género), bem como expressões vagas e pouco úteis. A robusta lista de clientes serve de atestado da utilidade da ferramenta. 

Coincidência ou não, o CEO da Mailchimp demitiu-se do cargo pouco depois do email. Se a Mailchimp fosse cliente da Textio, talvez o email tivesse sido evitado e talvez o ex-CEO ainda estivesse no cargo.

São evidentes os benefícios de uma comunicação clara e inclusiva. Mas há aqui, pelo menos, dois problemas. Um deles é a falibilidade dos algoritmos (e dos humanos que os criam), precisamente uma das preocupações dos cientistas do Google. Outro é o potencial de ofuscação.

Um funcionário pode receber feedback com todas as palavras certas. O resultado disso pode ser uma comunicação perfeita, mas também um menor conhecimento do que está de facto na mente do emissor. Preferia perceber por um email que o seu superior é um misógino empedernido ou receber um email perfeito e continuar a trabalhar para um misógino?

Os sistemas de análise e sugestão de linguagem suavizam as interacções e garantem a sua palatabilidade. Podem até servir de aprendizagem para quem os usa. Em última instância, a evolução da tecnologia pode levar-nos a um mundo de comunicações imaculadas, mesmo que muitos acabem a não escrever aquilo que pensam. E alguns argumentarão que esse seria um mundo melhor.

Em todo o caso, as águas são pantanosas. Este é um assunto que merece pelo menos um pouco do tempo de reflexão que dedicamos a escolher o melhor emoji