Acabou por não fazer sentido colocar este assunto na entrevista ao Prémio Nobel da Literatura 1986, o escritor nigeriano Wole Soyinka, que nesta sexta-feira está na capa do Ípsilon.

Mas durante a conversa que tive com ele, a propósito do seu mais recente romance, quis saber de onde veio a ideia de alguns dos diálogos divertidos e nonsense que integra neste livro.

Acontecem durante a narrativa de Crónicas do Lugar do Povo mais Feliz da Terra (ed. Livros do Brasil, podem ler a crítica aqui), quando os membros do Gongo dos Quatro conversam uns com os outros ao telefone.

Ora vejam um exemplo da página 318, tradução de J. Teixeira de Aguilar:

"Menka marcou o número. A conversa deixou os dois visitantes embasbacados.

- Posição de missão? – perguntou Menka.

- Pistões a arrefecer.

- Jos derramou. Aqui em carne.

- Par de labiais.

Houve alívio, e mesmo deleite na voz de Pitan.

- Na maior?

- Colaterais.

-Contacto em um cinco?

-Na maior.

(…)"

Wole Soyinka pareceu ficar animado com esta pergunta. Foi visível que escrever esses diálogos quase surrealistas lhe tinha dado muito prazer.

 "Essa é uma das minhas paródias [no romance]", disse ao Ípsilon Wole Soyinka que lembrou ainda a existência de diversas fraternidades e irmandades em campus universitários da Grã-Bretanha, dos Estados Unidos e Alemanha.

"Na Nigéria, as fraternidades tornaram-se um problema. Há fraternidades rectas e outras muito sórdidas que absorveram a maldade do mundo exterior e a levaram para o campus. Mas também há algumas cómicas. Eu pertenço a uma delas!", afirmou animado, naquele final de tarde na cafetaria de um hotel em Óbidos.

"Aliás!", exclamou, "criei aquela que talvez tenha sido a primeira fraternidade a existir num campus universitário em toda a África. Chama-se Pyrates Confraternity, a Confraria dos Piratas e escreve-se com Y."

Esta confraria foi criada por sete amigos, conhecidos pelos "sete magníficos" na Universidade de Ibadan, na Nigéria, em 1952, e um deles era o dramaturgo, romancista, ensaísta, activista político e professor de língua inglesa e de literatura comparada que anos mais tarde recebeu o Nobel da Literatura pelo conjunto da sua obra.

 "Falamos numa língua ridícula, que só é entendida pelos membros", explicou Wole Soyinka. "As outras pessoas acham que estamos a dizer coisas muito profundas. Mas são só coisas ridículas. Troçamos de nós mesmos", disse. "Mas ao mesmo tempo a Pyrates Confraternity é uma fraternidade socialmente consciente", fundada para promover os direitos humanos e a justiça social. 

"Por isso esses diálogos no romance são uma espécie de piada entre mim e a minha fraternidade", acrescentou.

Se dois dos membros se encontrassem em público, aqui em Óbidos, diriam um ao outro palavras muito comuns. "E quem estivesse a ouvir ia estranhar e perguntar-se-ia: ‘Mas o que é que eles querem esconder?’"

"E quer saber qual é a resposta verdadeira? Não é nada!", contou o Nobel nigeriano ao Ípsilon.

Quem quiser ler um dos capítulos deste seu terceiro romance pode fazê-lo no aqui. O seu outro romance publicado em Portugal é Os Intérpretes ( Ed. Minotauro). A crítica está no arquivo do Leituras (aqui). 

Wole Soyinka também estava assim animado, na Tenda Vila Literária do festival Folio, quando no dia seguinte nos contou sobre a génese do seu poema Fado Singer e sobre a amizade que manteve com Amália Rodrigues (podem ler aqui a reportagem).

Nesta semana, nas livrarias: 

FICÇÃO

A Aldeia das Almas Desaparecidas I - A floresta do avesso
Autoria: Richard Zimler
Editora: Porto Editora
656 págs., 22,20€
Nas livrarias a 20 de Outubro

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"Quando tinha três anos de idade, a magia veio ter comigo na ponta dos pés, tomou-me nas suas mãos grandes e calosas e murmurou-me ao ouvido orações orvalhadas com odor a coentros. Eram sussurros em castelhano na sua maioria, mas condimentados com frases de som gutural numa língua que, quando tinha cinco anos, me foi revelada como sendo a falada por Jesus e os seus apóstolos." Assim começa o primeiro volume do novo romance de Richard Zimler, dedicado aos "milhares de judeus portugueses e espanhóis que foram torturados e assassinados pela Inquisição, em especial os de Castelo Rodrigo e aldeias circundantes".

Uma pré-publicação pode ser lida no Leituras. 

Faz parte daquilo a que ele chama o seu Ciclo Sefardita (sobre os judeus e cristãos-novos portugueses) e é o regresso à família Zarco de outras das suas obras. Uma saga familiar, narrada por Isaaque Zarco que quando tem nove anos, em 1671, vê a sua melhor amiga Helena e outras famílias desaparecer de Castelo Rodrigo sem deixar rasto. Será a sua avó Flor, "velha parteira e curandeira castelhana", como se lê na contracapa, a revelar-lhe "o que ninguém se atrevera a dizer: que ele e a sua família são afinal judeus secretos" e "sujeitos a denúncias e aprisionamentos".

Uma sessão de lançamento do livro com a presença do autor acontece a 17 de Novembro, às 18h30, com apresentação do professor catedrático de Linguística João Costa, actual Ministro da Educação, no El Corte Inglés, em Lisboa.

FICÇÃO

De Amanhã em Amanhã
Autoria: Gabrielle Zevin
Editora: Asa
496 págs; 19,95€
Nas livrarias a 18 de Outubro

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Bestseller do New York Times, o romance De Amanhã em Amanhã da escritora norte-americana Gabrielle Zevin foi considerado "um feito literário".  Já foi publicado em 25 países e está a ser adaptado ao cinema pela Paramount. É a história dos mundos perfeitos construídos por dois jovens, Sam e Sadie, no seu jogo de computador revolucionário ICHIGO (no qual o jogador pode escapar às limitações do corpo e da vida), por oposição ao mundo imperfeito em que vivem.

Também no Leituras podem ler a pré-publicação de um dos capítulos do romance De Amanhã em Amanhã, de Gabrielle Zevin. 

Até para a semana.