Clima e transição ecológica

A inconcebível sobreabundância energética vai acabar e não é substituível. Não há tecnologia nem tempo para as diferentes transições que o sistema nos diz estarem a acontecer. A transição ecológica é o desafio de sobrevivência da humanidade e exige como base de partida a verdade.

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Reuters/YVES HERMAN

Afinal não “vamos ficar todos bem” e os gregos tiveram razão quando atribuíram à palavra crise (krisis) o sentido de mudança e verdade. A crise que nos está a bater à porta traz verdade. O que alguns desconfiavam está ser evidenciado pelos factos. As elites económicas, políticas, mediáticas e até académicas não vão mais poder esconder a verdade; o progresso e o desenvolvimento que vivemos ao longo de séculos não é credível nem aceitável. Andamos durante décadas a conversar uns com os outros sobre uma “sustentabilidade insustentável”. O futuro chegou ao presente e a alteração climática é sentida por todos, somos, cada vez mais, uma sociedade inviável numa Terra a caminhar para o inabitável.

Outra grande verdade é a crise energética, que não é conjuntural e não tem solução com o nosso modo de vida. Este modo de vida, de incomensurável intensidade energética, não é possível.

Por outro lado, não há transição viável para uma indústria sustentável, mesmo que nos digam o contrário esta é a verdade. Andamos entretidos com uma sustentabilidade ambiental patética, inexistente e inalcançável, a avaliar impactos ambientais irrelevantes, quando comparados com o que realmente conta, o acarinhado, enaltecido e depredador como nenhuma outra atividade turismo.

A perda de muitos ecossistemas, e dos serviços ambientais prestados por estes, põem em causa a nossa sobrevivência. Há muito que sabemos que a Terra não tem recursos para esta existência. Não é possível chegar a meio do ano e esgotar os recursos que o planeta tem para vivermos. Cada ano atingimos globalmente o Earth Overshoot Day (dia da sobrecarga da Terra) mais cedo. Portugal é uma vergonha nesta matéria, surpreendente, quando comparado com outros países que supostamente teriam um desempenho muito pior que o nosso. Vivemos com o que não temos, todos sabemos que isto não é viável durante muito tempo.

A excecionalidade histórica dos combustíveis fósseis que possibilitaram, a uma minoria da humanidade, a inconcebível sobreabundância energética vai acabar e não é substituível. Não há tecnologia nem tempo para as diferentes transições que o sistema nos diz estarem a acontecer. A transição ecológica é o desafio de sobrevivência da humanidade e exige como base de partida a verdade. Quanto mais cedo esta equação for assumida menor será a fatura.

Emmanuel Macron já falou nisto, muito claramente, aos franceses, no fim da “era da abundância”. Por cá é indispensável que os nossos governantes o assumam claramente. Será bem avisado que, enquanto temos algum tempo, ocupemos o nosso interior despovoado da maneira que mais nos interessa e que pensemos na suficiência alimentar. Apesar de tudo, designadamente dos incêndios, ainda temos um capital natural muito superior à generalidade dos países que tem de ser usado e valorizado, isto é, rentabilizado. Apostar fortemente no up local, em detrimento da “nuvem” da globalização que nos trouxe até aqui, é a aposta certa. Quanto mais rapidamente passarmos para um modo de vida mais lento, mais próximo e mais próprio, melhor. É necessário saber e assumir que vamos ficar mais entregues a nós próprios – isto não é um retrocesso, é a única hipótese de futuro.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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