O que acontece quando se juntam milhões de pessoas online numa mesma plataforma aberta? No meio do caos, por vezes, coisas úteis. 

A Wikipedia, já aqui se disse, é um exemplo improvável de como a colaboração aberta online pode ser bem sucedida. A morte da rainha Isabel II ilustrou-o: esta série de tweets (de uma conta chamada Profundezas da Wikipedia) narra o processo de actualização da página sobre a monarca. 

A primeira pessoa a incluir na Wikipedia a informação de que a rainha morrera fê-lo poucos segundos após a morte ser noticiada (mais rápido do que alguns órgãos de comunicação, muito embora estes tenham deveres de rigor que se sobrepõem ao contra-relógio). Nos 15 minutos que se seguiram, a página teve 55 actualizações.

Um tipo corriqueiro e fastidioso de edição passa por colocar os verbos no pretérito. Há quem tenha dado um nome aos editores da Wikipedia que se apressam a mudar os tempos verbais: "deaditors"; tendem a ser utilizadores anónimos e a trabalhar no telemóvel.

Uma página autónoma sobre a morte da rainha estava pronta por antecipação (tal como os jornalistas têm os obituários prontos, por vezes, com anos de antecedência) e foi criada uma nova página sobre as reacções à morte. O que nos leva ao próximo ponto: não é apenas a página da rainha que teve de ser actualizada, mas uma miríade de outras que com ela estão relacionadas.

Ao mesmo tempo, utilizadores discutiam sobre assuntos como o título oficial de Carlos III (andaram às voltas, mas acabaram por acertar) e sobre qual deveria ser a fotografia principal na página da rainha: havia várias, de diferentes fases da vida da monarca; foi seleccionada uma de 1959.

Tudo isto aconteceu (como sempre na Wikipedia) sem coordenação central e de forma muito pouco hierárquica. 

Naturalmente, não é uma boa ideia assentar um trabalho académico (ou jornalístico) em páginas da Wikipedia (o próprio site tem uma lista de mentiras, algumas hilariantes, que já estiveram publicadas). Mas que o resultado seja aquilo que é – uma fonte actualizada, gratuita e relativamente íntegra de informação sistematizada – é um bálsamo na Internet de hoje.

É argumentável que, mutatis mutandis, acontece algo semelhante com o Twitter. 

A rede social tem uma importância muito maior do que a sua relativamente pequena base de utilizadores (são 238 milhões de utilizadores diários, contra 1968 milhões do Facebook). Tornou-se a plataforma de preferência para políticos, empresas e todo o género de instituições comunicarem e fazerem anúncios oficiais. Não há melhor retrato disso do que a Meta a usar o Twitter para discutir questões do Facebook e do Instagram.

Agora, a guerra russo-ucraniana está a mostrar o extraordinário poder do Twitter enquanto ferramenta para seguir acontecimentos em tempo quase real. 
 
Os últimos dias, com a contra-ofensiva ucraniana nas zonas de Kherson e Kharkiv, são um exemplo. Os avanços da Ucrânia de povoação em povoação são "noticiados" no Twitter à medida que vão acontecendo (por vezes, através de vídeos captados por civis nos locais) e pouco depois assinalados em mapas por estudiosos, think tanks e uma multidão de amadores, capaz de geolocalizar um tanque inutilizado a partir de um telhado próximo e do formato da vegetação circundante. 

As mensagens russas no Telegram são reproduzidas e traduzidas, oferecendo vislumbres sobre o que vai na mente de alguns militares (idem para excertos dos programas de televisão russos). Os equipamentos e armas capturados e destruídos são analisados por especialistas com conhecimentos bélicos enciclopédicos, capazes de distinguir aviões pelo formato do trem de aterragem e de perorar sobre a logística russa a partir das estrias em pneus de camiões.

Os vídeos no Twitter (e no TikTok) têm sido uma janela sem filtros para a guerra. Há-os de todo o género: disparos de mísseis e de artilharia; aviões em queda; soldados em pleno ataque a trincheiras inimigas; tiroteios em florestas; fogueiras onde soldados cozinham e secam as roupas; combatentes no topo de tanques a dispararem metralhadoras com balas inimigas a zunirem-lhes nos ouvidos; civis a abraçarem militares; soldados a discutirem com superiores. Muitas das imagens de combate são captadas com câmaras nos capacetes, resultando numa impressionante perspectiva de primeira pessoa. Inevitavelmente, abundam vídeos de militares mortos e de prisioneiros de guerra.

Há, claro, uma avalanche de má informação, desinformação e propaganda, perante a qual os mecanismos do Twitter têm sido impotentes. Porém, os relatos e aqueles vídeos publicados a partir das linhas da frente, ainda que com pouco contexto, oferecem imagens mais poderosas, mais vívidas e mais terríveis do que qualquer documentário é capaz de dar – ou, pelo menos, do que qualquer reportagem ou documentário conseguiriam dar neste momento, sobre esta guerra.

A Wikipedia e o Twitter, com as suas falhas (e a rede social tem muitas), são vitórias das multidões atrás de teclados. Precisamos delas.