Quiet quitting... por oposição a loud slaving?

Fazer exactamente aquilo para que se foi contratado, e nada mais, não deveria ser motivo de espanto, pois não se está a pagar nada mais. A conquista do direito à retribuição pelo trabalho humano e a abolição da escravatura deveriam ser o momento de noticiar o fim de trabalho “extra” sem remuneração, contudo nunca foi esse o caso.

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A expressão quiet quitting tem sido objecto de alguma cobertura pelos media. Esta expressão pretende transmitir a ideia que os trabalhadores (indicando os mais jovens) apostam na tendência de realizar “apenas as funções que são remuneradas” e apenas no horário normal de trabalho, querendo dizer que não se dispõem para “dar horas à casa” e, durante o período de trabalho, não laboram com “amor à camisola” e não realizam tarefas diferentes das quais foram contratados para fazer. Também podemos incluir que o fazem sem chamar a atenção para esse facto: não há recusa de fazer, estão a limitar-se ao mínimo exigível para evitar o despedimento.

Esta tendência vem retratada como algo novo e resultado de uma desmoralização ou redução do empenho dos mais jovens cidadãos activos neste país.

Eu arguiria que, nova ou não, a tendência apontada não deveria ser motivo de cobertura (pelo menos nos moldes actuais). Fazer exactamente aquilo para que se foi contratado, e nada mais, não deveria ser motivo de espanto, pois não se está a pagar nada mais, e todo o trabalho deve ser pago. A conquista do direito à retribuição pelo trabalho humano e a abolição da escravatura deveriam ser o momento de noticiar o fim de trabalho “extra” sem remuneração, contudo nunca foi esse o caso.

Em termos anedóticos, poderíamos criar quatro variantes, utilizando oposições.

O quiet quitting, que já vimos. Em segundo, o loud quitting, que corresponderia ou à demissão ou a alguém que faria exactamente aquilo para que é pago e legal ou contratualmente vinculado, e não mais. Depois teríamos o quiet slaving, a posição de, sem chamar a atenção, “vestir a camisola”, “dar as horas à casa” e executar as competências que garantiram o nosso vínculo ao patrão e todas as outras necessárias ou convenientes. Por fim, teríamos o loud slaving, que, pensando bem, também é uma nova tendência. Essa pessoa vestiria “a camisola” e, tendo qualquer oportunidade, gritaria ao patrão e aos sete ventos que faz mais, melhor, que “é produtivo” e “essencial ao projecto e visão” da empresa”.

Vistas estas hipóteses, parece-me que não é assim tão preocupante apelidar alguém de quiet quitter num universo laboral que: tem salários que não permitem mais do que sobreviver (o mínimo); onde uma parte muito considerável dos jovens é sobrequalificado para o que faz; as perspectivas de futuro são adversas na promoção e manutenção do emprego, na melhoria do acesso à habitação, na constituição de família ou qualidade de saúde física e mental. Se chamamos ao poder “ter voz”, quem está tão despido de poder e futuro terá mesmo que ser silencioso.

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