A adição do Estado ao jogo

A voragem pela coleta acentua o risco de branqueamento de capitais e consegue a proeza de comprometer a proteção de consumidores e a salvaguarda da ordem pública.

Trinta e cinco anos após o início da última concessão da zona de jogo do Estoril foi recentemente publicado o concurso público para a concessão do exclusivo da exploração de jogos de fortuna e azar daquela que é a maior zona de jogo do país, num horizonte de 15 anos de contrato, renovável por um único período adicional de cinco anos.

Estando a exploração de jogos de fortuna ou azar reservada a um monopólio estatal pois, nos termos da lei, “…dada a impossibilidade de reprimir efetivamente todas as manifestações daquele fenómeno, é preferível autorizá-lo e dar-lhe um enquadramento estrito, suscetível de assegurar a honestidade do jogo e trazer alguns benefícios para o setor público” este é o momento para equacionar o futuro das políticas de jogo em Portugal.

À luz daquele preceito e da evolução do mercado de jogo e apostas, afigura-se relevante o país conhecer a avaliação das três décadas anteriores, e como nos termos da nova concessão se pretende concretizar tal desígnio para os próximos 20 anos, considerando a dimensão das contrapartidas para o desenvolvimento turístico e socioeconómico do país.

Desde logo a viabilidade de um modelo de negócio que, impondo uma das mais pesadas cargas fiscais na Europa, estabelece como mínimo anual de contrapartidas um montante não inferior a 61,7 milhões de euros a um sector cada vez mais exposto à concorrência do mercado online e objeto de ajudas públicas de apoio à retoma, layoff e suspensão do pagamento de contrapartidas mínimas anuais para garantir a sua sobrevivência durante a pandemia.

Neste contexto de fragilidade, altamente volátil e dinâmico como é o do jogo de fortuna e azar de base territorial, o regime de concessão ao estabelecer apenas como critérios de adjudicação os montantes mais elevados de contrapartidas e ao impor o risco exclusivamente do lado do futuro concessionário, transforma-o num coletor de receitas ao serviço do Estado.

Naturalmente, para alcançar os montantes de contrapartidas previstos no contrato de concessão e os resultados operacionais indispensáveis à subsistência da empresa concessionária, a pressão na corrida à arrecadação de receitas põe em perigo a integridade da indústria no que respeita à proteção de vulneráveis e implementação de políticas de jogo e responsável, ao arrepio das tendências de concessão de um mercado moderno e seguro de jogo.

Com efeito, tratando-se de uma indústria onde segundo a Avaliação Nacional de Riscos de Branqueamento de Capitaiso recurso ao jogo nos casinos - explorando a própria natureza desta atividade que permite a utilização de largas quantias de numerário - é também reconhecido internacionalmente como um dos expedientes utilizados em processos de branqueamento de capitais, sobretudo na respetiva fase de colocação” a voragem pela coleta acentua este risco e consegue a proeza de comprometer dois dos principais pilares que determinam a exploração desta atividade em exclusivo pelo Estado em regime de concessão: a proteção de consumidores e a salvaguarda da ordem pública.

A concessão, que serve objetivos de interesse público, e, no caso concreto do jogo, relacionados com o desenvolvimento turístico e económico das áreas territoriais da zona de jogo, é aqui confinada a uma mera licença de exploração de dois casinos (Estoril e Lisboa) e coleta das respetivas receitas, descurando obrigações relacionadas com o entretenimento, a arte, o lazer, a cultura, o espetáculo, a restauração ou o desporto, essenciais para alargar o perfil de clientes e a viabilidade operacional do modelo de negócio de um casino moderno, mas também para garantir o cumprimento de contrapartidas de interesse público e estratégico.

Ainda assim, sem o risco de o concurso ficar deserto pois é intenção do atual concessionário “concorrer a nova concessão de jogos de fortuna ou azar da Zona de Jogo permanente do Estoril”.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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