Ciclovia do Mondego, uma ideia com duas décadas, volta a ser adiada

Candidatura da Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra viu apoio europeu reprovado por não corresponder a critérios de financiamento que excluem pistas que tenham “lazer como objectivo principal”

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Anterior projecto previa instalação da ciclovia no topo do dique, acompanhando o percurso do rio Mondego Adriano Miranda

O projecto de ligação de Coimbra à Figueira da Foz através de uma via ciclável voltou a conhecer um revés. A ciclovia do Mondego, uma ideia com duas décadas, não teve apoio comunitário por não corresponder aos critérios da linha de financiamento a que concorria. A candidatura da Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra (CIM-RC), que previa um investimento de 3,5 milhões de euros, fica assim posta de parte.

Questionada pelo PÚBLICO sobre o motivo do chumbo, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC) responde que a candidatura da ciclovia do Mondego “não foi admitida, pois não responde aos requisitos do Regulamento Específico Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos”, que refere que serão apoiadas “ciclovias ou vias pedonais, excluindo as que tenham fins de lazer como objectivo principal”.

O projecto submetido pela CIM-RC “também não obteve parecer favorável obrigatório do Instituto da Mobilidade e dos Transportes” (IMT), responde a CCDRC. Sobre a ciclovia do Mondego, o IMT tem “alguma dificuldade” em qualificar como inequívocos “os contributos” de algumas das medidas “para a eficiência e eficácia do transporte de pessoas e bens”. Acrescenta que mantém dúvidas sobre a elegibilidade do financiamento para “promoção de estratégias de baixo teor de carbono” quando “depreende” o “âmbito lúdico” da pista que ligaria Coimbra, Montemor-o-Velho e Figueira da Foz.

O secretário executivo da CIM-RC, Jorge Brito garante ao PÚBLICO que o objectivo deste projecto seria “convidar as pessoas a deixarem o carro em casa e a utilizar a ciclovia “para fazerem movimentos pendulares. A lógica “não seria turística”, sublinha.

O chumbo, que foi noticiado pela Agência Lusa, na semana passada, representa um novo atraso neste longo processo. Segundo presidente da CIM-RC, Emílio Torrão, que também é o autarca de Montemor-o-Velho, na melhor das hipóteses, a decisão adia por mais um ano construção da ciclovia do Mondego. A comunidade vai ainda avaliar os passos seguintes a dar: se reclamar da decisão, se vai estudar novas hipóteses de financiamento europeu. “Não vamos desistir. Continuamos a considerar que este é projecto estruturante e só podemos lamentar não termos a possibilidade de o executar”, diz.

Uma ideia com 20 anos

A ideia de ligar Coimbra à Figueira da Foz através de um percurso ciclável tem duas décadas. O arquitecto Miguel Figueira, que trabalhou na Câmara Municipal de Montemor-o-Velho entre o final dos anos 1990 e 2013, recorda que o assunto é discutido, pelo menos desde o primeiro mandato de Luís Leal (que foi eleito em 2001).

“O projecto nasce em Montemor com a mesma raiz que o centro náutico”, uma estrutura inaugurada em 2002 para acolher competições e treinos de canoagem, explica Miguel Figueira. Em comum, as duas ideias tinham a mesma pergunta de base: “como é que voltamos a ligar a população ao rio?”. Em grande parte, esse afastamento foi provocado pela obra hidrográfica do Mondego, que desde os anos 1970 redesenhou o trajecto do rio no Baixo Mondego, colocando o seu curso entre diques. A solução? Instalar a ciclovia no cimo do dique, uma proposta “que deu sempre uma guerra muito grande com o Instituto da Água (INAG) e com a Agência Portuguesa do Ambiente (APA)”, conta.

“Sabemos que temos um rio crítico neste vale e temos provas disso, mesmo depois das obras [de intervenção no Mondego], com episódios de cheias. A melhor forma que temos de criar uma consciência desses perigos é termos uma relação com o rio”, afirma. “Se conhecermos essa dinâmica, se formos percebendo quando está seco, quando está cheio, quando está em leito de Inverno, depois não nos surpreendemos” quando o Mondego galgar os diques, diz. Para Miguel Figueira, “este reencontro com o rio é uma medida de prevenção, de resiliência do território”. Ao desenhar o traçado anterior, também teve em conta que, “do ponto de vista da mobilidade, o trajecto do rio era o mais inteligente”.

Mas o projecto já não é esse. A proposta actual acompanha o rio, não por cima do dique, mas por um percurso que actualmente é utilizado por veículos agrícolas que trabalham as culturas do Baixo Mondego. Emílio Torrão explica que esta opção foi tomada porque a anterior tinha a oposição da APA, que justificava a impossibilidade de ali instalar uma ciclovia com “questões de segurança do rio Mondego”. Redesenhado o projecto, “sanados os entraves” e “conciliadas todas as vontades”, num processo que demorou “largos meses”, refere Jorge Brito, a CIM-RC avançou com a candidatura.

Em rigor, há partes da ciclovia que já existem. Figueira da Foz tem um troço de cerca de cinco quilómetros e Montemor tem uma curta extensão entre a vila e o centro náutico. Mas falta a ligação entre os três concelhos, que é a esmagadora maioria do percurso de 46 quilómetros. Essa obra vai continuar à espera de financiamento.

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