O extraordinário mundo da conservação de arte contemporânea

Uma obra de arte contemporânea não coabita unicamente na matéria, em que qualquer meio é um possível transmissor artístico, da qual não estarão dissociadas as questões de conceptualidade, fundamentais no sistema de interpretação das obras contemporâneas.

Se o ponto de partida, o próprio universo da arte contemporânea, é extraordinário, pela oportunidade que nos é dada de deleite e apreciação de obras de arte que convidam à submersão pela transformação de pensamentos e pontos de vista individuais, não menos extraordinário, será o contexto da conservação das diferentes tipologias que compõem o grande grupo da arte contemporânea.

Pensar na conservação da arte contemporânea pressupõe ir para além das questões materiais, que, por si só, são complexas e claramente exigentes, seja pela presença de materialidades efémeras, heterogéneas e de grande diversidade, seja pelas questões de degradação material incontornáveis e desconhecidas ou pela obsolescência material associada aos recursos e escolhas tecnológicas.

Mas, uma obra de arte contemporânea não coabita unicamente na matéria, em que qualquer meio é um possível transmissor artístico, da qual não estarão dissociadas as questões de conceptualidade, fundamentais no sistema de interpretação das obras contemporâneas.

Sugerir que se entre no mundo extraordinário da conservação de arte contemporânea, não coloca de lado os demais mundos da conservação, também eles extraordinários, que resultam de abordagens mais conhecidas e tradicionais, aplicadas às várias tipologias de património artístico e cultural. Independentemente do meio ou contextos histórico e artístico, conservar significa, portanto, respeitar a obra de arte na sua totalidade, pelo que a análise e definição de um conjunto de procedimentos técnicos e científicos deve estar, ou melhor, partir do princípio de que a obra é um todo, material, conceptual e documental.

Nesta análise crítica, que com a arte contemporânea se impõe ainda mais dinâmica e interdisciplinar, há uma constante necessidade de extrapolar os limites de atuação do conservador-restaurador e gerar uma comunicação direta com distintos intervenientes, sejam eles, o artista, o curador, o público, entre outros, que se somam às práticas estabelecidas e que envolvem disciplinas e ciências que auxiliam todo o complexo processo de conservação do património.

À permanência, que nem sempre é física, e à salvaguarda de uma obra contemporânea, está implícito e a si inerente, o ato de documentar, exigindo a normalização e implementação de ações que consistem na compilação de dados e no tratamento da informação obtida, ferramentas fundamentais nos momentos de exposição.

A dimensão variável do ato de documentar, que muitas das vezes transpõe a matéria, remete inevitavelmente para a descrição de significado, a descrição técnica, os equipamentos e os recursos, entre muitos outros elementos constituintes, também imateriais como o som e a luz, assim como, as suas relações com o local de exposição. São estes, fugazes exemplos dos fatores que irão ter, direta ou indiretamente, uma ação sobre a perceção e interação do observador perante a obra como um todo, e que funcionarão como um ‘manual’ que auxilia a interpretação e a materialização da mesma segundo a intenção artística original.


Coordenadora do Mestrado em Conservação e Restauro de Bens Culturais da Escola das Artes e investigadora do Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes da Universidade Católica Portuguesa - Porto. A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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