Saber comunicar o (des)gosto

Incluir pode rimar com oprimir, todavia divergem completamente naquilo que significam. E o primeiro, ciente da sua necessidade para uma sociedade mais justa, nunca é possível à custa do segundo: mesmo que a opressão sofra reconfigurações que surjam, por escamoteação e falta de franqueza, sob o domínio do politicamente correcto.

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Diana Polekhina/Unsplash

Frequentemente noto que vivemos em tempos nos quais afirmar que não apreciamos uma dada coisa significa termos de lidar com múltiplas agressividades. Quando caracterizamos algo como pouco belo, original ou útil, por exemplo, amiúde se considera tal acto uma espécie de sentença universal – como se o que achássemos fosse uma declaração imperativa de Deus ou de outra entidade metafísica em que se crê piamente. Não podemos abordar a temática do gosto pelo desgosto, ou seja, pela via do desagrado. As opiniões devem ser unidimensionais: apenas o gosto é sincero; o desgosto é uma ofensa aleatória ou um desdém focalizado.

No meio desta ironia podemos encontrar uma verdade oculta: trata-se de uma opressão escondida dos holofotes que se traduz num problema de gestão da crítica, aquela crítica que é quase sempre percebida como destrutiva, maléfica, desonesta, quando, em várias ocasiões, poderia ser entendida como uma simples perspectiva (amoral e sem ética, puramente estética) entre tantas outras que valem o mesmo – no fundo, também um apelo à igualdade entre liberdades de expressão.

Olhemos, por exemplo, para a avaliação do corpo. Não podemos, numa situação de interesse romântico alheio, dizer a essa pessoa que, fisionomicamente, não faz o nosso género, ou seja, que não se encaixa propriamente nos tipos de corpos que nos estimulam uma atracção física ou sexual. O físico, a aparência do/a outro/a, tem de ser sempre avaliado/a de um modo positivo, sob pena de sermos promotoras/es da exclusão social e, por outro, de valorizarmos o frívolo e o superficial. No fundo, convivemos com uma espécie de hipocrisia fomentada por uma visão de necessidade constante de transmissão de positividade, afastando qualquer espaço para o dissenso.

Saber dizer “eu não gosto” ou “não faz o meu género” é essencial porque é uma expressão da nossa própria identidade. Não inclui valores ideológicos, mas antes aspectos tão simples que dizem respeito ao que causa gozo a cada um/a de nós. Por outro lado, aquelas declarações ganhariam mais ao serem interpretadas com o seu acréscimo tácito, que, quando somos humildes a comunicar a nossa divergência, está sempre presente – “eu não gosto, mas outras pessoas poderão gostar”; “não faz o meu género, porém poderá fazer o género de outra pessoa”, admitindo que eu sou apenas uma ínfima porção de um conjunto de biliões de seres humanos que caminham comigo no mundo, logo, não sou o ditador planetário do gosto.

Comunicar com as diferenças, uma tarefa diariamente hercúlea, é também uma prova à forma de lidar com imprevisibilidades nas reacções de terceiras/os. Nunca sabemos como vão as outras pessoas reagir face a uma controvérsia. Decididamente, nestas situações, todas/os acabamos por ser testadas/os. Mas cabe a cada envolvida/o conhecer os limites do desrespeito, bem como da falsidade que é promover a ideia de tudo ser belo e perfeito.

Incluir pode rimar com oprimir, todavia divergem completamente naquilo que significam. E o primeiro, ciente da sua necessidade para uma sociedade mais justa, nunca é possível à custa do segundo: mesmo que a opressão sofra reconfigurações que surjam, por escamoteação e falta de franqueza, sob o domínio do politicamente correcto.

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