Vizinhos do Teatro: como dois jovens conseguem criar um “diálogo entre as pessoas” através de cartazes

Focados em perceber “o que é o teatro em termos de conceito lato”, Francisco e Sara criaram o movimento Vizinhos do Teatro. Afixam cartazes onde “qualquer pessoa escreve aquilo que quer” sobre o teatro e a comunidade, perto do Teatro Nacional São João, no Porto.

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Tiago Lopes

Quando perguntaram a crianças do Centro Social da Sé Catedral do Porto (CSSCP) sobre o teatro, Francisco Saraiva de Almeida, de 29 anos, e Sara Brandão, 24, perceberam que “nem [elas] sequer sabiam que existia aqui um teatro”. De acordo com a jovem de 24 anos, esta experiência fê-los “começar a pensar que, se calhar, seria interessante questionar o que é que esta comunidade aqui [na Batalha] acha da vizinhança, se tem alguma ligação ao teatro [e] se tem algum hábito cultural”.

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Quando perguntaram a crianças do Centro Social da Sé Catedral do Porto (CSSCP) sobre o teatro, Francisco Saraiva de Almeida, de 29 anos, e Sara Brandão, 24, perceberam que “nem [elas] sequer sabiam que existia aqui um teatro”. De acordo com a jovem de 24 anos, esta experiência fê-los “começar a pensar que, se calhar, seria interessante questionar o que é que esta comunidade aqui [na Batalha] acha da vizinhança, se tem alguma ligação ao teatro [e] se tem algum hábito cultural”.

Como forma de trazer “isto para a rua”, como refere Sara, os estudantes decidiram afixar cartazes com espaços “em branco com um mote”, onde “qualquer pessoa escreve aquilo que quer”, ao redor do Teatro Nacional São João, no Porto, no âmbito do movimento Vizinhos do Teatro, conta Francisco. O objectivo destes folhetos passa por perceber “o que é o teatro em termos de conceito lato”, assim como “o que é a vizinhança” e “o que é ser vizinho de um teatro”, diz o jovem.

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Nascida “das vontades” dos dois fundadores do Vizinhos do Teatro, a iniciativa surge após frequentarem o curso de facilitadores de Práticas Artísticas Comunitárias, criado pela Associação PELE, onde estas “vontades” foram “catalisadas”, de acordo com Francisco. Através deste organismo, Sara e Francisco têm desenvolvido um “trabalho de uma prática artística comunitária” com o grupo de crianças referido, no CSSCP, diz a estudante de Mestrado em Estudos Literários, Culturais e Interartes.

As áreas artísticas, especialmente o teatro, sempre despertaram interesse em ambos os estudantes: Sara fez parte do Bando dos Gambozinos e frequenta, actualmente, o grupo de teatro SOTAO (Sociedade Onírica de Teatro Amador Orgânico), enquanto Francisco faz teatro “desde muito pequeno” e está a frequentar o Mestrado em Artes Cénicas – Interpretação e Direcção Artística. O jovem de 29 anos admite que “parece que as pessoas que vão ao teatro são sempre as mesmas”, algo que “sempre lhe fez confusão”. Segundo Sara, isto deve-se ao facto de haver “muita gente a escrever sobre teatro que nunca experienciou, nunca teve muito perto do que é que é efectivamente fazer um teatro ou de quem vai”. Por sua vez, cria-se “um remoinho” em que são “as mesmas pessoas que vão, as mesmas pessoas que vêem, as mesmas pessoas que criticam.”

“Quando há pessoas que não acreditam que aquele lugar é para elas, então não vão e nunca vão e, a partir do momento em que não vão àquele espaço, acaba por ser fechado, porque não há também propriamente um incentivo”, reitera Sara.

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Francisco Saraiva de Almeida e Sara Brandão Tiago Lopes

Usar os cartazes para “fazer as pessoas pensar” sobre o teatro e a comunidade

Há duas semanas, Sara e Francisco começaram a afixar cartazes com os motes “O teatro é” e “Um/a vizinho/a é”. Ao andar pelas ruas próximas ao Teatro Nacional São João, vê-se inúmeros folhetos escritos, riscados e até rasgados, algo que Francisco considera “bonito”, dando a ideia de “metamorfose” e transformando “a paisagem da cidade”.

De acordo com o estudante de 29 anos, os cartazes servem como uma “ferramenta” para se poder “levantar questões” e criar um “diálogo entre as pessoas”. Para ambos os jovens, é preciso “ouvi-las”, sendo que, segundo Sara, “às vezes [não há] plataformas para serem ouvidas”. Assim, ao existir um “meio de comunicação”, as pessoas sentir-se-ão “motivadas em encontrar lugares para interagirem”. Sendo o espaço público, para Francisco, um “espaço da discussão onde as pessoas podem participar”, os jovens utilizam os cartazes como “plataforma” para “se ocupar” este espaço.

O projecto tem tido muita adesão, levando à criação de uma página do Instagram do Vizinhos do Teatro, e são várias as respostas escritas nos cartazes, desde “O teatro é para todos” e “O teatro é elitista” até “Um/a vizinho/a é uma dor de cabeça ou um amor de pessoa”. Os estudantes imaginaram “algumas repostas possíveis”, tendo algumas ido “a esse encontro” e “outras não de todo”, refere Sara. Para além disso, até alguns turistas escreveram nos folhetos, como é o caso do que apresenta a resposta “Um/a vizinho/a é un amigo”.

Ao analisarem os cartazes escritos, os fundadores concluem que as pessoas “querem participar” e “têm opiniões” sobre o teatro e a comunidade, afirma Francisco. Já Sara salienta que a comunidade demonstra querer “decidir o que é que acontece nos espaços que frequentam”.

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Apesar de terem criado a iniciativa, os fundadores não querem que esta seja vista como “um projecto da Sara e do Francisco”, mas como uma “comunidade”, onde as pessoas têm “liberdade” para “dizerem o que querem”, de forma “anónima”, refere o estudante. “Eu sinto que há um grupo de vizinhos do teatro, ou seja, eu sinto que ele existe e simplesmente ainda não tem pessoas por detrás”, afirma ao P3 Sara.

Embora gostariam que o projecto saísse “um bocadinho dos papéis”, tendo já pensado em levá-lo “para dentro” do Teatro São João, segundo Sara, os estudantes, por enquanto, vão deixando “as sementes” – os cartazes –, como afirma Francisco, pela cidade para “fazer as pessoas pensar” sobre o teatro e a vizinhança.

Texto editado por Ana Maria Henriques