Os vizinhos do Rivoli levam a sua vida atrás do balcão para cima do palco

No final da semana vai a cena no teatro municipal o espectáculo Lida, que tem como actores 15 comerciantes/funcionários de oito lojas e um banco do quarteirão do Rivoli. A peça, já esgotada, desvenda a forma como as pessoas se relacionam com o trabalho e entre si.

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Paulo Pimenta
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Acácio Osório começou a trabalhar no negócio de venda de tecidos do pai e do avô tinha 12 anos. Na altura palmilhava a Baixa do Porto a pé para os entregar aos alfaiates que os encomendavam. Passaram quase 40 anos e agora, proprietário do negócio, vende tecidos e tudo aquilo que quem entra na loja, que está num quarto andar da Rua Passos Manuel, precisar. É um “faz-tudo”, apaixonado por motas, que vai subir pela primeira vez a um palco para se estrear como actor.

O Rivoli lançou o desafio a 70 estabelecimentos do quarteirão do teatro municipal. Nove responderam à chamada, com quinze comerciantes e funcionários (um dos estabelecimentos é uma dependência bancária) predispostos a experimentar o palco. Objectivo da produção: dar a conhecer ao público a vizinhança do Rivoli.

Do projecto “Conhece o Meu Vizinho?” nasce o espectáculo Lida, encenado por Hugo Cruz. É uma peça feita de não-actores, que na sexta-feira e no sábado se apresentam em cena para uma plateia que já esgotou as duas datas. Participam a Camisaria Porto, a Casa Osório, o banco Montepio, a loja de música Garage & Stage, o Alfarrabista Soares, a guesthouse In Porto Gallery, o restaurante Pedro dos Frangos, a Casa Figueiredo e A Beneficiência Familiar.

São todos vizinhos do teatro e uns dos outros, pelo menos durante o horário laboral. Ainda assim a maior parte não se conhecia. Desconhecida do grande público é, igualmente, a rotina de quem todos os dias está atrás de um balcão. O desafio, para a coordenadora do programa de aproximação às artes performativas do teatro, Dina Lopes, passa por desvendar a forma como as pessoas se relacionam com o trabalho e entre si. A partir desta premissa reuniu-se o grupo que tratará de responder a esta “inquietação”. Tratando-se de uma peça que trabalha com um conjunto de pessoas que não tem experiência de palco, considera a programadora que “mais importante do que o resultado é o processo”.

Processo que começou em Outubro do ano passado, altura em que Hugo Cruz conheceu o grupo com quem está a trabalhar: 15 “não-actores” e a actriz profissional Susana Madeira. O nome da peça, Lida, remete para “lida de casa, lida de trabalho e para a proximidade com a palavra vida”, descodifica o encenador o jogo de palavras. Quando o projecto arrancou, o primeiro passo foi precisamente cada um dos comerciantes conhecer a lida de cada um dos colegas. Foram feitas visitas a todos os espaços comerciais dos envolvidos e só depois se passou à escrita do texto, que contou com a participação dos próprios protagonistas. É aí que se chega ao tema central da peça: “O trabalho e como ele ocupa as nossas vidas”, conta o encenador.

Para Aida Rosas, da Camisaria Porto, o trabalho como comerciante ocupou toda a vida profissional até aos dias de hoje. Com 72 anos, está na Rua Sá da Bandeira desde 1970, quando se juntou ao negócio do marido, a extinta chapelaria/camisaria Casa Rosas, junto à Brasileira. Só mais tarde, em 1985 é que comprou a Camisaria Porto, na mesma rua desde o final do século XIX. É lá que fala connosco. Chegou a ter mais duas lojas, além das referidas, e 10 empregados. Hoje sobrou este espaço onde está sozinha. “Noutros tempos, por vezes achávamos que o negócio estava mau. Nem sonhávamos como iam ser os dias de hoje”. Quando se mudou para a Rua Sá da Bandeira, próxima do Rivoli, era possível prever, ainda que com “algumas oscilações”, qual seria o volume de facturação. Actualmente, não pode contar com qualquer tipo de previsão.

O declínio do negócio dá os primeiros sinais com a mudança do escudo para o euro. Em 2009, “com a crise” a estrutura que montou é abalada. Em 2011 inicia o processo de encerramento das outras lojas. É dona do prédio onde está a camisaria. Não tem despesas de renda, é o que lhe vai permitindo manter aberto o negócio de venda exclusiva de produto nacional. Nos tempos áureos a rua era muito movimentada, “como é agora”, mas hoje são os turistas que por lá passam. Não é este o seu público.

Acácio Osório também não beneficiou com o crescimento do turismo. “Não é o comércio tradicional que ganha com isso”, diz. Quem lhe paga as contas são os clientes fieis que ainda conserva. Tem sessenta. Todas mulheres. Aos 60 anos não trabalhou noutro sítio que não fosse a loja do 4º andar do 23 da Rua Passos Manuel. Todo o mobiliário se mantém o mesmo desde que o espaço abriu, já perdeu a conta há quantos anos. Trocou apenas a cadeira e a secretária que não resistiram ao tempo. Alterou-se o negócio que se foi adaptando às necessidades do cliente. O que é que Osório vende? “De que é que precisa?”, responde com uma pergunta. Dos tecidos, que ainda vende, passou para os eletrodomésticos e para qualquer produto que o cliente pode precisar. Nunca diz que não tem um produto até o tentar encontrar. Na cobrança, vai facilitando no valor das prestações. Como Aida Rosas, não tem uma renda para pagar. Enquanto “cá estiver” o negócio vai continuar. No futuro, não acredita que a descendência o vá assumir. À margem do trabalho ocupa o tempo com as motas, uma “paixão antiga”. Agora vai experimentar pela primeira vez o teatro.

Com 38 anos, Nuno Valente, do Pedro dos Frangos, onde surge o primeiro frango inteiro no espeto do Porto, de portas abertas desde 1964, já teve uma pequena experiência de palco. “Uma brincadeira”, diz. Foi na faculdade, onde estudou e se licenciou em Gestão.

Ao contrário de Osório e Aida, o negócio de família, propriedade do pai, foi crescendo. Nos últimos anos abriu mais uma sala, no prédio em frente ao original, na Rua do Bonjardim. Nuno trocou a Gestão pelos frangos e é responsável pela nova sala. Desde pequeno que lida com os afazeres do restaurante. Ganhou o “bichinho” e hoje não voltaria à gestão.

Neste projecto teve oportunidade de conhecer mais gente que como ele trabalha em espaços comerciais do quarteirão. Serviu esse “convívio” para se aproximarem e para partilharem experiências. Parte da experiência é ter que lidar com os clientes que nem sempre percebem que tal como outra pessoa qualquer um comerciante tem dias menos bons e de maior sensibilidade: “Há quem se esqueça que quem está atrás de um balcão também é um ser humano”.

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