Dois irmãos quebraram as barreiras do triatlo para falar de paralisia cerebral. São os Iron Brothers

Movidos pelo exemplo de dois irmãos americanos, Miguel e Pedro Ferreira Pinto entraram no mundo do triatlo. Esperando inspirar outros, mostram em cada prova que o desporto é para todos.

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Iron Brothers/Facebook

Nadar quase quatro quilómetros, pedalar outros 180 e terminar a correr uma maratona não é para qualquer um. Miguel Ferreira Pinto, de 35 anos, fá-lo com o irmão Pedro, de 33 anos, que tem paralisia cerebral.

Tudo começou por acaso, depois de o irmão mais velho ter feito uma lesão a praticar crossfit e de uma amiga lhes ter mostrado um vídeo de dois irmãos norte-americanos, um deles com paralisia cerebral, que tinham conseguido o apuramento para o campeonato do mundo de Iron Man (Homem de Ferro). “O Pedro olhou para mim, com um olhar muito característico dele, como quem diz ‘eu também quero’. E eu na altura disse-lhe que ele era louco, porque eu nem sozinho conseguia fazer metade de um Iron Man quanto mais fazer um Iron Man com ele”, contou Miguel Ferreira Pinto à Lusa.

O Iron Man é a variante de longa distância do triatlo, uma modalidade que inclui três desportos: natação, ciclismo de estrada e atletismo, em segmentos seguidos e sem interrupções. Numa prova de triatlo clássica, a distância olímpica, que é a que serve de referência, inclui uma prova de 1 500 metros de natação, seguida de 40 quilómetros de ciclismo e 10 quilómetros de corrida; já a prova Iron Man compreende 3,8 quilómetros a nadar, 180 quilómetros a pedalar e termina com uma corrida de 42,2 quilómetros.

Para praticar as modalidades são necessárias algumas adaptações. Nos segmentos de estrada, ciclismo e corrida, o Miguel puxa ou empurra a cadeira de rodas especial para competição que transporta o Pedro; no segmento de natação o Pedro é transportado numa canoa, rebocada pelo Miguel. A primeira prova que fizeram juntos “correu bem” e 15 dias depois estavam a fazer o primeiro triatlo de distância curta. Nesse período, em 2018, perceberam que precisavam de um nome à altura: e assim nasceu a dupla Iron Brothers.

Praticar desporto por uma causa maior

No início começaram com uma prova pequena, em que nem bicicleta tinham, e fizeram só a parte da corrida e da natação. Com isto, rapidamente perceberam que precisavam do equipamento certo para levar a ideia para a frente, tendo conseguido apoios de marcas, arranjado treinador e equipa de treinos. “Nunca se tinha feito o que nós fizemos cá em Portugal. Fizemos em Oeiras e correu muito bem, foi muito divertido. Começámos a pensar no Half Iron Man de Cascais”, contou Miguel, acrescentando que, com a inscrição na prova, vieram os treinos de maior intensidade e duração, mas também a diversão que ambos tiravam de tudo isso.

Segundo Miguel, os treinos semanais rondam entre 15 a 25 horas, dependendo da fase da época — quanto mais se aproxima a data de uma prova, maior é a carga. Mas tudo isto só faz sentido a dois, uma realidade da vida familiar que transpuseram para o desporto. “Para mim é uma coisa que faço como desporto, mas para o Pedro é muito mais do que desporto: é uma oportunidade de falar de paralisia cerebral, é uma oportunidade de trazer para a ordem do dia um tema que foi esquecido. O desporto acaba por ser um megafone para uma causa muito maior”, sublinhou.

Miguel explicou que se criou também a chance de ajudar a Associação de Paralisia Cerebral de Lisboa”, que o irmão mais novo descreve como uma “segunda casa”. “O Pedro toda a vida tentou ajudar a APCL — ou porque faltava alguma coisa para o desporto adaptado ou algum equipamento. E o Pedro chateava o nosso pai, os amigos do pai, toda a gente que pudesse para arranjar o dinheiro para comprar as coisas”, adiantou, acrescentando que o irmão “viu aqui uma oportunidade de fazer isso na primeira pessoa”.

Defendem que poder praticar desporto é um direito de todos, mesmo que haja muitas barreiras no acesso — sejam financeiras, porque os equipamentos são caros, seja porque as pessoas com paralisia cerebral precisam de alguém que as acompanhe. “Mas merecem e precisam de pertencer ao desporto”, sublinha o irmão mais velho. Evidencia também que o seu papel passa por despertar consciências entre a comunidade desportiva ou nos organizadores de provas (que não raras vezes recusam a participação de cadeiras de rodas) para que pessoas como o Pedro possam participar.

De tanto insistirem, deixaram de ser caso único em Portugal. Não só já há mais uma dupla em que um dos atletas tem paralisia cerebral, como já têm uma equipa de estafetas. Com a pandemia veio uma paragem forçada, mas para não estarem totalmente parados organizaram uma prova inclusiva na distância entre Tróia e Sagres (cerca de 200 quilómetros), para a qual desafiaram toda a comunidade de triatletas portugueses para pedalar. Já em 2021, “chegou a altura de justificar o nome Iron Brothers” e abraçaram o primeiro Iron Man completo, que decorreu em Coimbra.

“Ao fim de 16 horas e 27 [minutos], tornámo-nos na primeira dupla europeia a concluir a prova”, adiantou Miguel, que recordou como a prova lhe custou. “O Pedro não se queixa e vai a puxar por mim o tempo todo. E quando percebe que eu estou mal, que estou a sofrer, começa-me a falar de memórias de festas, de jantares, de almoços, de coisas que me tirem a cabeça dali. É incrível fazermos isto a dois”, sublinhou.

Para ajudar outras famílias com pessoas com paralisia cerebral, os dois irmãos vão começar um podcast mensal a partir de Junho, para o qual vão convidar pessoas conhecidas para pedalarem ao seu lado e, em directo, angariar dinheiro para apoiar alguém previamente escolhido pela Associação de Paralisia Cerebral de Lisboa.

Para o futuro, estão de olhos postos no Iron Man de Hamburgo, na Alemanha, também em Junho, tendo já definido que o segundo semestre do ano será preenchido a “fazer coisas para trazer pessoas com paralisia cerebral ao desporto”. Até agora conseguiram verbas para angariar seis cadeiras de rodas, mas a expectativa é de, até ao final do ano, conseguirem dez, desafiando depois os amigos do triatlo e das corridas a “virem empurrar essas cadeiras” nas provas.

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