O tempo, esse desconhecido

Desvendar “O Mistério do Tempo” é o propósito do 13.º Simpósio Aquém e Além do Cérebro, promovido pela Fundação BIAL, de 6 a 9 de Abril, no Porto.

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“O tempo é uma dimensão da existência humana, mas permanece um mistério para os físicos. Não sabemos exactamente o que pensar sobre ele. Ao contrário do espaço, a mente humana tem dificuldade em apreender o tempo”. As palavras são do investigador Axel Cleeremans, presidente da comissão organizadora do 13.º Simpósio Aquém e Além do Cérebro, da Fundação BIAL, e servem para sustentar a escolha do tema que vai estar em foco, de 6 a 9 de Abril, na Casa do Médico, no Porto: o mistério do tempo.

Director de investigação do grupo de Consciência, Cognição e Computação da Universidade Livre de Bruxelas (Bélgica), Axel Cleeremans reitera que há muitas questões por responder no que toca ao modo como o cérebro representa o tempo e como processa a informação temporal, nomeadamente a duração. “E a nossa experiência de tempo é moldada por factores que ainda não compreendemos totalmente”, acrescenta, concluindo: “Todas estas questões por resolver tornam o tempo um tópico perfeito para o próximo simpósio”.

Axel Cleeremans, Director de investigação do grupo de Consciência, Cognição e Computação da Universidade Livre de Bruxelas (Bélgica) e Presidente da Comissão Organizadora do Simpósio “Aquém e Além do Cérebro” DR
Rui Costa, Professor de Neurociência e de Neurologia na Universidade de Columbia (EUA) e Membro da Comissão Organizadora do Simpósio “Aquém e Além do Cérebro” D.R.
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Axel Cleeremans, Director de investigação do grupo de Consciência, Cognição e Computação da Universidade Livre de Bruxelas (Bélgica) e Presidente da Comissão Organizadora do Simpósio “Aquém e Além do Cérebro” DR

O português Rui Costa, professor de Neurociência e de Neurologia na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, não podia estar mais de acordo com a escolha do tema: “O tempo é muito importante, porque toca desde a física à vida e ao cérebro. O tempo permite-nos ter passado e futuro, ter uma história, ter dias e noites, ter ciclos. Na física, pode-se conceber ir para a frente ou para trás no tempo. Na memória, podemos lembrar-nos dos eventos mais marcantes de um ano nuns segundos”, explica o também membro da Comissão Organizadora do Simpósio “Aquém e Além do Cérebro”. É, pois, um tema impactante em Neurociências e, em concreto, na memória, a área de estudo a que se dedica: “Quando fazemos previsões, tentamos adivinhar o futuro baseado no passado. A memória tem tempo, há o recente e o antigo. Há o que aconteceu antes de nós e que percebemos que foi há mais tempo. O tempo permite-nos associar coisas que acontecem sempre em proximidade temporal e dissociar coisas que não acontecem sempre ao mesmo tempo. Há várias escalas de tempo, o ritmo circadiano permite-nos saber se devemos descansar ou não, se devemos comer. O ritmo anual tem as estações”.

As várias dimensões do tempo em discussão

“Percepção e memória do tempo” é, precisamente, o tema sobre o qual se debruçará o segundo dia do simpósio, dedicado a uma das dimensões do tempo: a biologia. Mas há mais duas – a física e a experiência. O professor Cleeremans explica, a propósito, que um dos mistérios é saber como estão ligadas: “Os físicos podem falar-nos sobre o lugar do tempo no universo, como devemos pensar sobre ele. Os biólogos e os neurocientistas podem ajudar-nos a compreender como o cérebro representa o tempo e como ele processa a informação temporal. Os psicólogos e neurocientistas também se focam em como experienciamos o tempo, como sentimos e percebemos o passar do tempo e como outros aspectos do processamento da informação, por exemplo, a tomada de decisão, são influenciados por essas sensações. E os parapsicólogos interrogam-se se a física do tempo tornará possível viajar mentalmente no tempo, para sentir algo relativamente a eventos futuros”.

“O tempo afecta tudo o que fazemos”, sintetiza. “Tudo o que fazemos acontece num contexto temporal. O que escolhemos fazer agora é influenciado pelas escolhas que fizemos no passado (e talvez pelas escolhas que faremos no futuro). O nosso sentido do ‘eu’ é guiado pela memória do que fomos em diferentes pontos no tempo. O modo como sentimos o tempo passar é profundamente moldado por factores como as nossas esperanças e motivações, mas também pelo quão ocupados estamos”. E exemplifica o impacto do tempo afirmando que as distorções temporais são um aspecto central em muitas experiências anómalas que resultam no consumo de drogas ou em patologias como a depressão, a esquizofrenia e o défice de atenção e hiperactividade.

Esta é a nova fronteira do conhecimento que o 13.º Simpósio da Fundação BIAL se propõe explorar, em linha com o que está na sua génese: o foco em temas que são fundamentais para a existência humana, numa perspectiva interdisciplinar. E é este carácter que Rui Costa destaca, elogiando o facto de reunir cientistas que abordam os mesmos temas de perspectivas muito diferentes “e que, geralmente, não se encontrariam no mesmo simpósio”. Axel Cleeremans enfatiza que esta é uma das razões pelas quais os simpósios são reconhecidos como fóruns de “excelente ciência”, uma “oportunidade maravilhosa para divulgação”, bem como “um olhar ousado e até desafiador sobre problemas por resolver que estão na linha de fronteira entre diferentes disciplinas”.

E, por isso, os dois investigadores estão em sintonia no reconhecimento do papel da Fundação BIAL na promoção e divulgação da ciência. Uma opinião presente nas palavras de Rui Costa: “A Fundação tem mérito em dois sentidos. Um é em organizar um simpósio internacional em Portugal sobre temas importantes, atraindo os melhores cientistas. O outro é pela continuidade; este simpósio existe regularmente há mais de 25 anos. Num país onde as políticas de ciência mudam tão frequentemente, é fundamental haver projectos com continuidade”.