O desafio dos líderes em Versalhes é aproximar a Ucrânia da UE sem falar de adesão

Na ordem de trabalhos dos líderes europeus em Versalhes está a resposta a três perguntas: como é que a UE pode fortalecer a sua defesa, reduzir a sua dependência energética e construir uma economia mais sólida, para resistir às crises do futuro? A pandemia abriu o debate, a invasão da Ucrânia pela Rússia mudou a narrativa e o teor das discussões.

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O Presidente francês, Emmanuel Macron, e o primeiro-ministro neerlandês, Mark Rutte Sarah Meyssonnier/Reuters

Algumas horas antes de o Presidente da França, Emmanuel Macron, se perfilar à porta do Palácio de Versalhes para a procissão de cumprimentos à chegada dos chefes de Estado e de governo da União Europeia para uma reunião informal do Conselho Europeu, as delegações nacionais ainda se esforçavam para encontrar a linguagem “mais adequada” para a resposta ao pedido de adesão apresentado pela Ucrânia — que não ficará registada na Declaração de Versalhes, que abordará os temas oficiais da cimeira, defesa, energia e investimento, mas sim num texto anexo, que fará um resumo da reflexão dos líderes sobre os possíveis impactos da agressão militar da Rússia sobre a economia e a segurança da Europa, e a nível global.

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Algumas horas antes de o Presidente da França, Emmanuel Macron, se perfilar à porta do Palácio de Versalhes para a procissão de cumprimentos à chegada dos chefes de Estado e de governo da União Europeia para uma reunião informal do Conselho Europeu, as delegações nacionais ainda se esforçavam para encontrar a linguagem “mais adequada” para a resposta ao pedido de adesão apresentado pela Ucrânia — que não ficará registada na Declaração de Versalhes, que abordará os temas oficiais da cimeira, defesa, energia e investimento, mas sim num texto anexo, que fará um resumo da reflexão dos líderes sobre os possíveis impactos da agressão militar da Rússia sobre a economia e a segurança da Europa, e a nível global.

O Presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, fez subir a pressão sobre os 27, exigindo um forte sinal político de apoio na forma de um procedimento simplificado e expedito para a apreciação do pedido de adesão da Ucrânia, que nas suas palavras está em guerra para defender a sua soberania e independência, e também para proteger os valores europeus. O apelo do líder ucraniano emocionou os membros do Parlamento Europeu, e principalmente a opinião pública europeia, que, chocada com as imagens dos bombardeamentos russos sobre prédios, escolas, fábricas e hospitais, se manifesta a favor de uma via verde que garanta a integração da Ucrânia na família europeia.

Os líderes europeus estão numa posição difícil. A política de alargamento é uma das mais sensíveis da UE: é uma questão existencial para todos os Estados-membros e para todos os líderes, que têm percepções e opiniões diferentes, e por vezes opostas, sobre a “oportunidade” de convidar novos membros, quando ainda se estão a resolver alguns problemas relacionados com a última expansão do clube. Cada vez que a questão se põe, logo se recuperam ideias de uma Europa a duas velocidades, de geometria variável, de vários círculos concêntricos… Mas não é de nada disso de que Zelensky fala, quando diz que o seu país quer ser “um entre iguais”.

A urgência política do Presidente da Ucrânia não encontra tradução na engrenagem burocrática de Bruxelas, que se rege pelos tratados. Como notava uma fonte europeia, referindo-se a um eventual regime de celeridade para o reconhecimento oficial da candidatura de Kiev, “isso é uma coisa que não existe”. “Não há procedimentos rápidos de avaliação deste tipo de pedidos. O que há é o que está escrito nos tratados, que é o que vamos seguir”, garantiu.

Grande velocidade

Ainda assim, os 27 movimentaram-se com uma rapidez nunca vista desde a recepção da carta do Presidente Zelensky para a obtenção do estatuto de candidato: em menos de uma semana, o Conselho da UE decidiu solicitar o obrigatório parecer à Comissão Europeia, que tem de se pronunciar sobre o “mérito” do pedido para que depois possa arrancar o processo de avaliação. A título de comparação, quando o Montenegro submeteu o seu pedido de adesão, em Dezembro de 2008, o Conselho da UE demorou mais de quatro meses a pedir que a Comissão se pronunciasse. No caso da Albânia, em 2009, foram precisos sete meses; a Sérvia esperou mais de dez meses, em 2010, e a Bósnia Herzegovina, que entregou o pedido de adesão em Fevereiro de 2016 e viu o Conselho pedir o parecer à Comissão em Setembro do mesmo ano, ainda não obteve o estatuto de país candidato.

Com a mesa do Conselho Europeu dividida sobre a questão formal — “Vamos ter metade da sala a exigir que a apreciação do pedido da Ucrânia se faça com a máxima urgência, e vamos ter outra metade a aconselhar a máxima cautela e ponderação, antes de se assumir uma posição”, previa uma fonte europeia —, os líderes deverão concentrar-se no conteúdo, relativamente ao qual há unidade e consenso entre os 27, de “forte condenação da Rússia”, de “total solidariedade com o povo ucraniano” e de “apoio absoluto” ao Governo de Volodimir Zelensky.

Era precisamente a linguagem que melhor transmitisse a mensagem que ainda estava a ser aprimorada antes do início da cimeira. Para já, e segundo o PÚBLICO apurou, o texto anexo sobre a Ucrânia (os líderes vão deixar para mais tarde os pedidos de adesão entregues pela Geórgia e a República da Moldova à boleia da demanda de Kiev) recupera a promessa da “perspectiva europeia”, e dá conta do compromisso dos 27 em fortalecer os laços e aprofundar as parcerias entre Bruxelas e Kiev.

“Ainda estamos a inventar a formulação mais adequada para mostrar com toda a clareza que queremos trazer a Ucrânia o mais próximo possível de nós”, revelou um diplomata europeu. Para já, no rascunho ainda incompleto não há nenhuma referência explícita ao artigo 49.º do Tratado da UE, relativo à adesão — como argumentou o mesmo responsável, “cingir a discussão sobre a perspectiva europeia à questão do alargamento seria incrivelmente redutor”. A obtenção do estatuto de candidato “não pode ser o princípio e o fim de todas as coisas”, considerava o diplomata, que recusava pôr a discussão no plano da “adesão ou nada”, e destacava que “tudo o que a UE fez até agora para apoiar a Ucrânia foi verdadeiramente revolucionário”, tanto no aspecto material, como no plano simbólico.

“Debates ideológicos são inúteis e não resolvem nenhum dos problemas que a Ucrânia enfrenta neste momento”, concordava outra fonte de Bruxelas, antevendo que a discussão entre os chefes de Estado e governo em Versalhes seria muito mais “pragmática”, ligada às medidas que ainda podem ser tomadas para aumentar a pressão sobre a Rússia, e também às acções que podem (e devem) ser desenvolvidas para o apoio político, financeiro, militar e humanitário à Ucrânia, e o acolhimento dos milhões de deslocados pela guerra que buscam refúgio na UE.

Portugal insiste nas interconexões

Apesar de todas as atenções estarem concentradas na situação no terreno na Ucrânia, a discussão entre os líderes vai tocar noutros tópicos, que têm que ver com a “narrativa” de recuperação da crise pandémica que a UE vinha desenvolvendo desde que a situação sanitária deixou de ser alarmante, e que não deixam de ser prementes (e se calhar até mais) no actual contexto de guerra.

No seu habitual convite aos líderes, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, pôs três pontos na ordem de trabalhos: o fortalecimento das capacidades de defesa da UE, a redução das suas dependências energéticas e a construção de uma base económica mais robusta, isto é, um novo modelo para o crescimento e investimento e também, por arrasto, para a cooperação e governação económica do bloco.

Tratando-se de uma cimeira informal, sem a adopção de conclusões, o debate entre os 27 será uma espécie de rampa de lançamento para as decisões formais que deverão ser tomadas em duas semanas, na reunião do Conselho Europeu de 24 e 25 de Março, em Bruxelas, sobretudo no que tem que ver com a defesa e a energia.

Em relação ao primeiro ponto, a guerra na Ucrânia já provocou uma mudança política histórica, que não deixará de ficar reflectida na Declaração de Versalhes, na qual os 27 confirmarão a sua intenção em “reforçar significativamente os investimentos em capacidades de defesa e tecnologias inovadoras”. Ao contrário do que aconteceu na NATO, não se espera que seja fixada uma meta quantitativa para as despesas nacionais em defesa.

Quanto à energia, a declaração menciona a “necessidade de reduzir a dependência das importações russas de gás, petróleo e carvão” e de acelerar o processo de transição para as energias renováveis. O texto para já é parco em pormenores, mas o PÚBLICO sabe que Portugal fará questão que seja incluída uma referência à construção das interconexões que permitirão distribuir o GNL que chega a Sines, ou o futuro hidrogénio verde que aí vai ser produzido, até ao centro da Europa.

Quanto à economia, a Declaração de Versalhes reconhece que as novas regras orçamentais da UE devem “ter em conta as necessidades de investimento público” para responder à situação geopolítica e promover a dupla transição ecológica e digital. Fontes europeias garantiram, porém, que “ninguém está a falar” em financiar estes investimentos através de novas emissões de dívida conjunta. “A UE já tem um fundo de recuperação, criado para responder às consequências da covid-19, e que pode ser alterado para enfrentar as consequências da guerra”, disse uma fonte europeia. “Espera-se que não seja necessário”, acrescentou.