À direita salvam-se os ricos, mas no fim morremos todos

António Costa e Rui Rio rejubilaram numa picardia política requintada, com direito a uma hora de duração, três cadeias de televisão e nem um minuto sobre o futuro do planeta. Muito, e legitimamente, se discutiu saúde, impostos, justiça, segurança social… Faltou a parte em que a sustentabilidade não se mede a 20 anos, seja a da segurança social ou a dos recursos naturais.

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LUSA/PEDRO PINA

A luta contra as alterações climáticas e os direitos humanos deveriam ser matérias transversais a todo o espectro político. Há valores universais bem assentes nos pilares da democracia, onde cabe toda a gente que nela acredita e onde há espaço para a diversidade ideológica. Tudo deveria estar a correr bem, principalmente em temas que já não são discutíveis, antes carecem de um combate convergente para lá de ideologias políticas.

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A luta contra as alterações climáticas e os direitos humanos deveriam ser matérias transversais a todo o espectro político. Há valores universais bem assentes nos pilares da democracia, onde cabe toda a gente que nela acredita e onde há espaço para a diversidade ideológica. Tudo deveria estar a correr bem, principalmente em temas que já não são discutíveis, antes carecem de um combate convergente para lá de ideologias políticas.

Temo que a última quinzena de debates para as legislativas de 2022 tenha provado que nada é como deveria ser. Entre um ping-pong de responsabilidades por esta crise política, palavras que significam pouco e populismos incipientes aos quais sou surda, ficou bem claro que as lutas e prioridades abraçadas pela esquerda são bem distintas das da direita. E é exactamente nesta posição do espectro que moram as alterações climáticas: uma luta da esquerda que não é prioridade de ninguém.

Muito pouco se falou de planos e medidas concretas, menos ainda para combater um futuro certo de aquecimento global e eventos climáticos extremos. Salvo as raras excepções em que partidos minoritários lá conseguiram referir o assunto — no meio do jogo “quem é que já não é amigo de António Costa” —, não houve um único debate sério sobre o tema. Na passada quinta-feira, António Costa e Rui Rio rejubilaram numa picardia política requintada, com direito a uma hora de duração, três cadeias de televisão e nem um minuto sobre o futuro do planeta. Muito, e legitimamente, se discutiu saúde, impostos, justiça, segurança social… Faltou a parte em que a sustentabilidade não se mede a 20 anos, seja a da segurança social ou a dos recursos naturais.

Lamento que o ambiente e as alterações climáticas se tenham tornado a cara de um partido que opta por não se posicionar no espectro político. Vejo aqui uma incoerência que lhe tira credibilidade – e, consequentemente, o meu e muitos votos. Como lutar pelo ambiente sem lutar pela igualdade e pela justiça social? Todas estas são lutas da esquerda, inequivocamente indissociáveis. Defender apenas uma, ignorando a(s) outra(s), é correr do fogo numa passadeira rolante.

Assunção Cristas trouxe o exemplo da carne de porco no supermercado, em 2019, altura em que debatia com o PAN de André Silva. Esta carne tem efectivamente um custo bastante inferior a variadas opções sustentáveis. Podemos exigir às pessoas que ignorem as suas dificuldades económicas e escolham a opção sustentável? Tentar salvar o futuro da humanidade sem olhar para as dificuldades visíveis do presente é uma utopia. A mensagem “é preciso mudar comportamentos” não chega a quem todos os dias se adapta como pode para não ser engolido pelas diferenças sociais.

É à esquerda que se luta por tirar as pessoas do limiar de pobreza; é a estas pessoas que ser quer dar a possibilidade de optar pelo sustentável sem ficar com mais mês do que dinheiro. É à esquerda que se pretende mobilizar o financiamento público para as indústrias amigas do ambiente, contrariando o investimento em sectores altamente poluentes – que invariavelmente tornam o porco no pão dos pobres. À direita, prevê-se a redução do IRC dos “produtores” de porcos. Talvez, um dia, resulte na redução do IRS dos pobres. Enquanto o Alentejo e Algarve morrem de sede, prevê-se uma direita a rezar por chuva novamente. Não se enganem, não nos enganem, estas lutas são interseccionais e são da esquerda.

Despeço-me com um filme apocalíptico para domingo à tarde: quem ocupa os lugares disponíveis na arca de Noé que salvará um resquício de humanidade do dilúvio? Os milionários que podem pagar bilhete. Em cenários extremos como os que viveremos brevemente, a pobreza é bastante relativa: morremos todos, no conforto da nossa privilegiada classe média. Neste business as usual, o lucro que nos alimente, porque não haverá comida que nos sustente.