Posso confiar nas calorias que o meu smartwatch me diz que gastei?

Os utilizadores de smartwatches tendem a ser pessoas fisicamente mais activas, mais motivadas e com comportamentos mais saudáveis. Na perspectiva clínica, há que potenciar essa motivação para a melhoria contínua dos treinos.

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Um smartwatch pode ser um bom aliado para a saúde Paulo Pimenta

Na antecâmara do Natal, uma desmistificação daquele que pode ser um potencial presente para muitas pessoas: os smartwatches ou smartbands. Podemos confiar na informação que lá aparece seja na contabilização dos passos dados, das calorias gastas no treino e nas horas e qualidade do sono?

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Na antecâmara do Natal, uma desmistificação daquele que pode ser um potencial presente para muitas pessoas: os smartwatches ou smartbands. Podemos confiar na informação que lá aparece seja na contabilização dos passos dados, das calorias gastas no treino e nas horas e qualidade do sono?

Mais uma vez, como em tantas outras questões a resposta é “nim” ou “depende”, até porque este é um dos assuntos onde aquilo que a evidência científica nos diz pode ter uma aplicação ligeiramente diferente na realidade de cada pessoa, mas já lá vamos.

Começando pelos estudos que comparam estes aparelhos com os métodos de referência na avaliação do gasto calórico, aquilo que se pode dizer é que existe uma grande heterogeneidade quer nos resultados de cada estudo, quer entre os vários aparelhos utilizados. A título de exemplo, um trabalho recente verificou que em quatro aparelhos testados (de marcas bem conhecidas de todos) em quatro diferentes intensidades de exercício (desde descanso até corrida a 11km/h), apenas três das 16 correlações possíveis entre os aparelhos e o método de referência tiveram significado estatístico e que a precisão de todos eles diminuiu à medida que a intensidade do exercício aumentou.

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Existe uma grande heterogeneidade quer nos resultados de cada estudo, quer entre os vários aparelhos utilizados Nelson Garrido

Outro trabalho com os mesmos aparelhos verificou uma precisão moderada na avaliação da frequência cardíaca, mas já menor na estimação do gasto calórico. O maior trabalho de revisão sobre este tema é sintomático sobre o ponto da situação: os resultados globais mostram uma ligeira subestimação destes aparelhos no gasto calórico de todas atividades, mas com uma heterogeneidade gigantesca entre aparelhos.

Ainda assim, é importante perceber que aqueles que fazem a medição da frequência cardíaca em vez de usarem a acelerometria isoladamente, melhoram de forma substancial a estimativa de gasto energético. Tal ocorre porque muitos movimentos detectados pela acelerometria podem não ser necessariamente passos ou atividades com gasto calórico mais elevado (bater palmas, conduzir, lavar a loiça, escrever à mão, etc.).

É por causa disso que se recomenda a utilização destes aparelhos no braço não dominante, devidamente apertados para evitar oscilações extra e até que se retirem do braço em algumas tarefas manuais que não impliquem caminhar ou treinar. Mesmo aqueles que medem a frequência cardíaca podem levar a uma sobrestimação do gasto calórico dado que factores como o stress, temperatura, humidade, desidratação e volume e localização de massa muscular utilizada podem levar a um aumento da frequência cardíaca sem o correspondente aumento do volume de oxigénio consumido.

É também importante ter em conta que desde o tempo da recolha de dados da investigação até à publicação de cada estudo vai um período temporal relativamente longo, o que faz com que os aparelhos utilizados não sejam as últimas versões de cada marca. Para análises detalhadas e com qualidade (se bem que não revistas cientificamente por pares), o canal de YouTube The Quantified Scientist é uma ferramenta bem útil na escolha do modelo que mais se adeqúe ao objectivo e ao bolso de cada um.

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Recomenda-se a utilização destes aparelhos no braço não dominante, devidamente apertados para evitar oscilações extra e até que se retirem do braço em algumas tarefas manuais que não impliquem caminhar ou treinar iStock / Getty Images Plus

Passando do mundo científico para a realidade clínica. Quando alguém decide tomar uma atitude quanto à sua saúde e comprar um smartwatch, a pior coisa que pode ouvir de um profissional de saúde ou do exercício é que “isso não serve para nada” ou “esses valores são para deitar fora”. Fazer um investimento (em alguns casos bem avultado) num destes equipamentos demonstra objectivamente uma preocupação com a saúde, por mais moda que se esteja a tentar acompanhar.

Os utilizadores de smartwatches tendem a ser pessoas fisicamente mais activas, mais motivadas e com comportamentos mais saudáveis. Na perspectiva clínica, há que potenciar essa motivação para a melhoria contínua dos treinos — mesmo que o aparelho sobrestime o gasto calórico real é sempre melhor gastar 500 kcal do que 300kcal num treino ou dar 6000 passos por dia do que 4000.

Também no sono, mesmo que a estimativa das fases de sono não seja precisa, confrontar-se com a crónica curta duração do mesmo pode ser o “abre-olhos” necessário para mudar este comportamento. No que toca à alimentação, é preciso encarar o gasto calórico de cada treino com cautela, sobretudo quando o objectivo é o emagrecimento. Se fazer uma aula de cycling que na realidade “queimou” 400 kcal, mas que foi sobrestimada para as 550kcal pelo relógio, for o argumento para comer um bolo de igual valor calórico porque “afinal eu hoje até já gastei isto no treino”, esse não será certamente o seu melhor uso. Já quando é utilizado para monitorizar ritmo de corrida, zonas de treino, número e horas de treinos mensais, duração e qualidade do sono numa perspectiva positiva e ambiciosa (e não ansiosa) de melhoria contínua, o caso pode ser diferente.

Em suma, se tiver possibilidade financeira para ter um bom smartwatch de modo a melhorar a qualidade dos seus treinos ou a ser uma fonte extra de motivação para a gestão do peso e outros indicadores de saúde faça-o. Sabendo das limitações dos mesmos e fazendo uma correcta leitura dos seus valores, pode ser um bom aliado da sua saúde.