Prémio Maria de Sousa distingue jovens cientistas com um financiamento total até 125 mil euros

O Teatro Thalia, em Lisboa, foi o palco escolhido pela Ordem dos Médicos e a Fundação BIAL para celebrar o Dia Mundial da Ciência e distinguir cinco jovens investigadores portugueses na primeira edição do Prémio Maria de Sousa, em homenagem à prestigiada imunologista que faleceu em Abril do ano passado.

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Créditos: FUNDAÇÃO BIAL
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A cerimónia de entrega da primeira edição do Prémio Maria de Sousa, presidida pelo primeiro-ministro António Costa e transmitida em directo no site, no Youtube e no Facebook do Público, teve lugar no passado dia 24 de Novembro e atribuiu até 125 mil euros a investigações na área das doenças cardiovasculares, cancro, doença do sono, endocrinologia e funcionamento celular. Depois da recepção de mais de 80 candidaturas, a organização decidiu, por unanimidade, distinguir cinco projectos de inves­tigação, em vez de um, e anunciou que o próximo ano contará com a sua segunda edição, com o mesmo júri e características semelhantes.

“Se é certo que nada nos fará ultrapassar a perda da Professora Maria de Sousa, dar continuidade ao seu legado é a melhor forma de a homenagear”, começou por afirmar Miguel Guimarães, Bastonário da Ordem dos Médicos (OM). “Perante a grande vitalidade e qualidade de candidaturas recebidas e que merecem apoio e reconhecimento público, aumentámos o número de distinções”, acrescentou. No dia em que a OM comemorou também 83 anos, a cerimónia celebrou a vida e carreira de “uma grande mestre que se distinguiu pela qualidade científica e técnica, aliando a investigação ao humanismo, o conhecimento ao ensino e formação, a alegria de viver ao espaço das artes. O talento da professora Maria de Sousa foi responsável pela evolução da ciência e por dignificar o nome de Portugal a nível internacional”, sublinhou.

Luís Portela, presidente da Fundação BIAL, recordou a elevada qualidade e exigência com que a investigadora enfrentava os projectos em que se envolvia e destacou o ano em que Maria de Sousa venceu o Grande Prémio BIAL de Medicina, em 1994, naquele que “terá sido o primeiro reconhecimento público”. Posteriormente, a própria foi várias vezes jurada nos prémios BIAL e em outras iniciativas da Fundação.

O júri desta primeira edição do Prémio Maria de Sousa foi liderado pelo neurocientista Rui Costa e integrou investigadores muito próximos da cientista Maria de Sousa: Maria do Carmo Fonseca, presidente do Instituto de Medicina Molecular (iMM); Graça Porto, directora do grupo de investigação sobre a biologia do ferro do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S) da Universidade do Porto; Miguel Castelo-Branco, Director do Centro de Imagem Biomédica e Investigação Translaccional (CIBIT) da Universidade de Coimbra e Joana Palha, professora catedrática da Escola de Medicina da Universidade do Minho.

Rui Costa elogiou o facto de Maria de Sousa ter sido “uma cientista criativa, tenaz e intencional, mas também uma exímia formadora de cientistas”. Este Prémio continua a obra da cientista “na construção de uma escola sem fronteiras, uma escola de novos cientistas portugueses ligados ao resto do mundo e que serão o alicerce de uma sociedade onde o conhecimento cria valor, onde o conhecimento muda a forma como vivemos, uma sociedade baseada no conhecimento”. Acrescentou ainda que “Maria de Sousa acreditava em criar oportunidades para que as novas gerações de cientistas chegassem mais além, fizessem perguntas disruptivas e as abordassem de forma criativa”. Ajudou, catalisou e apoiou muitos jovens a dedicarem-se à ciência, a cultivar a liberdade de pensamento e a criatividade e a procurarem a excelência.

A cerimónia de encerramento contou com a presença do primeiro-ministro, António Costa, que apresentou um discurso em memória de Maria de Sousa, debruçando-se ainda sobre a pandemia de Covid-19. “A sociedade portuguesa tem percebido nos últimos dois anos a importância da ciência e a gratidão pelo facto de a ciência ter conseguido demonstrar num curto espaço de tempo a criação de vacinas que têm permitido controlar a pandemia que nos afecta a todos, à escala mundial”, afirmou, destacando ainda o sentimento de gratidão pela coragem de todos os profissionais de saúde capazes de se adaptar a esta nova realidade e a encontrar “novas abordagens para tratar uma doença até então desconhecida”.

Por último, António Costa alertou para esta era de informação que circula livremente pelos canais mais diversos. “É a ciência que filtra o que é o certo do que é o errado, o que é verdadeiro e do que é falso e que nos permite perceber o caminho a seguir. A cultura de ciência é absolutamente essencial para o futuro de cada sociedade”, concluiu.

O evento começou com um momento musical.
Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos
Luís Portela, presidente da Fundação BIAL
Rui Costa, neurocientista e presidente do júri da 1.ª edição do Prémio Maria de Sousa
António Costa, primeiro-ministro
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O evento começou com um momento musical.

Projectos premiados

“Glicosilação de vesículas extracelulares de cancro gástrico: o seu impacto na comunicação inter-celular em cancro e o seu potencial para a descoberta de novos biomarcadores”, Daniela Freitas – i3S, Porto

A investigadora começou por explicar que o cancro do estômago é o quinto tipo de cancro mais incidente e o quarto mais letal a nível mundial. “Em Portugal, em 2020, foram diagnosticados mais de 2900 casos e registadas mais de 2300 mortes em Portugal segundo dados do Globocan 2020.” Uma vez que é um tipo de cancro detectado em fases tardias e mais avançadas da doença acaba por dificultar a eficácia das terapias actualmente disponíveis.

O objectivo deste projecto, que tem vindo a ser desenvolvido através do seguimento de doentes com cancro no estômago no IPO do Porto desde há um ano e meio [com a recolha de amostras de sangue desde o diagnóstico passando pelo tratamento e pelo percurso e historial clínico dos mesmos] passa por isolar e caracterizar as nanopartículas em circulação de doentes com cancro do estômago e avaliar a sua aplicação como biomarcador tumoral através de uma amostra de sangue.

Numa segunda fase, pretende-se avaliar o seu impacto na comunicação à distância e formação de metástases para a identificação de potenciais alvos terapêuticos para o tratamento deste cancro. “Este trabalho será desenvolvido no grupo de glicobiologia no cancro, liderado pelo professor Celso A. Reis, contando com a colaboração especial do professor David Lyden, da Weill Cornell Institute, nos EUA, onde parte do trabalho irá também ser desenvolvido”, explicou Daniela Freitas.

“O impacto da sequestração de parasitas na severidade da tripanossomíase”, Sara Silva Pereira – iMM, Lisboa

A investigadora começou por explicar que se dedica “ao estudo de uma doença parasitária chamada tripanossomíase animal que, em humanos, causa a doença do sono, é transmitida por uma mosca, um vector, é uma doença endémica na África subsariana mas também está presente na América Latina e na Ásia”. Sublinhou ainda que “esta doença tem um grande impacto económico especialmente em países onde a agricultura é uma grande fonte de subsistência, mas também em países que dependem da pecuária como uma indústria essencial para o PIB”. Esta doença tem uma grande variabilidade no quadro clínico.

Os tripanossomas africanos - transmitidos pela picada das glossinas, conhecidas por moscas tsé-tsé - causam a doença do sono em humanos e a tripanossomíase animal ou nagana em vários mamíferos. No gado, esta doença tem uma taxa de mortalidade elevada (até 70%) e resulta em perdas económicas muito acentuadas (4.5 mil milhões de dólares por ano só em África). A nagana pode ser causada por três parasitas diferentes, que estão distribuídos por vários continentes, mas, em África, o parasita mais problemático é o Trypanosoma congolense. Este trabalho pretende descobrir quais são as proteínas existentes na superfície do parasita que permitem que este se agarre aos vasos sanguíneos e qual é a relação entre a expressão dessas proteínas e a severidade da doença em gado.

Os resultados deste projecto – que conta com colaboradores na Universidade de Glasgow e de Nottingham, no Reino Unido e, ainda, na Tanzânia – vão permitir determinar a importância da sequestração na progressão da tripanossomíase e identificar genes que sejam biomarcadores de doença severa. No futuro, espera-se que estes biomarcadores possam ser utilizados num dispositivo de diagnóstico portátil para rastrear gado em larga-escala e informar a comunidade sobre a virulência das estirpes em circulação e o risco de doença grave.

“Como regular forças dependentes de actomiosina para preservar a integridade de um epitélio”, Mariana Osswald – i3S, Porto

Este projecto tem como objecto de estudo a organização dos epitélios (um tecido característico de todos os animais, como os pulmões, o estômago, o rim, o intestino e a pele) balanceiam forças para manterem a sua forma, integridade e funcionalidade. Perturbações da estrutura tridimensional dos tecidos estão associadas a patologias como o cancro ou doenças inflamatórias. “Os epitélios são tecidos extremamente dinâmicos e estão sujeitos a forças constantes que os levam a contrair ou relaxar e é preciso que as mesmas estejam permanentemente equilibradas para garantir que eles conseguem manter a sua arquitectura”, explicou Mariana Osswald.

A investigação vai estudar a organização de uma das principais estruturas das células responsável por regular forças: a actomiosina. “Este projecto vai ser executado maioritariamente no i3S mas o Prémio Maria de Sousa vai permitir uma deslocação essencial para uma parte essencial do estudo ao Institut Curie [em Paris], o que nos vai permitir medir directamente as propriedades mecânicas do tecido e avaliar alterações nestas”, acrescentou.

Os resultados obtidos vão permitir compreender como é mantida a organização dos epitélios, para perceber melhor estas doenças e eventualmente para desenhar novas estratégias terapêuticas ou de diagnóstico.

“O papel da CCL2 e IL-8 no microambiente dos tumores neuro-endócrinos da hipófise: relação com a agressividade tumoral e sua utilidade diagnóstico-terapêutica”, Pedro Marques – Hospital de Santa Maria / Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte

Este projecto vai ser desenvolvido na Unidade de Endocrinologia Molecular do Hospital de Santa Maria onde o investigador trabalha como médico endocrinologista e em colaboração estreita com os Serviços de Neurocirurgia e Anatomia Patológica. “Temos também dois colaboradores externos sedeados em Londres e em Cambridge”, explicou Pedro Marques. “A hipófise é uma glândula pequena que se localiza na base do cérebro e controla praticamente toda a actividade hormonal do nosso organismo. Embora os tumores da hipófise sejam normalmente benignos criam imensos problemas aos nossos doentes porque podem comprimir as estruturas adjacentes e levar a diferentes problemas, como disfunções visuais, mas também a síndromes clínicas complexas”, afirmou. Nos trabalhos de investigação já efectuados, verificou-se que estes tumores têm várias células imunitárias, incluindo neutrófilos e macrófagos. Esta investigação pretende assim perceber o papel destas moléculas – CCL2 ou IL-8 na regulação do micro-ambiente, bem como, na determinação da proliferação, invasão e agressividade tumorais.

Além disso, pretende-se tentar perceber a utilidade da CCL2 e IL-8 como marcadores de diagnóstico e prognóstico, bem como o seu potencial como alvos terapêuticos e estudar o papel dos macrófagos e neutrófilos na determinação das características e agressividade dos tumores hipofisários. De forma mais abrangente, os investigadores pretendem compreender melhor a biologia destes tumores e identificar marcadores úteis para o diagnóstico e novas formas de tratamento para os doentes. Para tal, a população que vai ser alvo de estudo inclui 116 doentes com tumores hipofisários, todos com dados clínicos e tecido tumoral para os vários estudos moleculares.

“BioTribo – Exploração de biomateriais como nanogeradores triboelétricos para aplicações cardiovasculares”, Andreia Pereira – i3S, Porto

As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no mundo. “Os dispositivos electrónicos cardíacos implantáveis, como por exemplo, o pacemaker ou o dispositivo de assistência ventricular esquerda (DAVE) são utilizados no tratamento destas doenças”, salientou a investigadora. Ambos têm em comum o uso de baterias convencionais que estão associadas a muitas limitações, como o tamanho, o tempo de vida limitado e o risco de libertação de conteúdo. Surge então a necessidade de uma fonte de energia alternativa, inesgotável e biocompatível.

O projecto BioTribo tem como objectivo usar o fluxo sanguíneo para produção de energia eléctrica. Ou seja, pretende-se atingir uma fonte de energia inesgotável para os sensores utilizados na monitorização de doenças cardiovasculares e possibilitar a sua utilização em dispositivos eléctricos que são actualmente implantados no paciente. “Pretendemos assim ajudar 420 milhões de pessoas que sofrem de doenças cardiovasculares em todo o mundo”, explicou Andreia Pereira. O estágio internacional vai ser feito no Georgia Institute of Technology, nos EUA.

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Vencedores do 1.ª edição do Prémio Maria de Sousa

(Re)veja aqui a cerimónia de entrega do Prémio Maria de Sousa