Espanha reforma “lei da mordaça” para limitar abusos da polícia e reforçar direito ao protesto

PSOE e Unidas Podemos já se entenderam para alterar as questões mais polémicas de uma lei herdada do PP. Polícia deverá deixar de usar balas de borracha e manifestações não autorizadas deixarão de constituir infracções.

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Confrontos entre polícia e manifestantes num protesto contra a detenção do rapper catalão Pablo Hasél SUSANA VERA/Reuters

Na moção de censura que acabaria por selar a queda de Mariano Rajoy, em Maio de 2018, Pedro Sánchez descreveu como “urgente” a reforma da lei de segurança cidadã, conhecida como “lei da mordaça”. A legislação, que durante os confinamentos impostos pela pandemia de covid-19 foi mais usada do que nunca (para sancionar as violações do estado de alarme), sobreviveu até agora intacta. Seis anos depois de ser aprovada pela maioria absoluta do Partido Popular, vai finalmente sofrer uma reforma profunda, com dezenas de alterações para proteger manifestantes e limitar a actuação da polícia.

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Na moção de censura que acabaria por selar a queda de Mariano Rajoy, em Maio de 2018, Pedro Sánchez descreveu como “urgente” a reforma da lei de segurança cidadã, conhecida como “lei da mordaça”. A legislação, que durante os confinamentos impostos pela pandemia de covid-19 foi mais usada do que nunca (para sancionar as violações do estado de alarme), sobreviveu até agora intacta. Seis anos depois de ser aprovada pela maioria absoluta do Partido Popular, vai finalmente sofrer uma reforma profunda, com dezenas de alterações para proteger manifestantes e limitar a actuação da polícia.

Os dois parceiros de Governo, PSOE e Unidas Podemos, acordaram uma série de emendas, que vão registar no Congresso já na quarta-feira, e negoceiam agora com os nacionalistas bascos do PNV (promotores desta reforma logo em 2018) e com outros grupos parlamentares para que a nova redacção da lei esteja pronta até ao fim do ano.

De fora desta legislação vão ficar as chamadas “devoluções a quente” – expulsões de imigrantes ou requerentes de asilo assim que estes atravessam a fronteira –, um tema em que o partido do primeiro-ministro e a formação da vice-presidente Yolanda Díaz não se entendiam, e que passará a integrar a lei da imigração. Assim, PSOE e UP puderam concentrar-se nas questões que afectavam o direito ao protesto e nas que abriam a porta a excessos policiais.

Entre as principais mudanças já decidas, explica o jornal El País, está a diminuição de seis para duas horas do tempo de detenção para alguém levado de uma manifestação para uma esquadra por recusar identificar-se (as seis horas mantém-se apenas em casos muito excepcionais). As revistas passam a ser enquadradas por regras precisas, para evitar, por exemplo, que a polícia dispa completamente uma pessoa ou a reviste à vista de outros.

Uma das questões mais polémicas desta lei era o tipo de equipamento antimotim que a polícia estava autorizada a usar, especialmente as balas de borracha que custaram a vista a vários manifestantes ao longo destes anos. “As autoridades competentes devem desenvolver protocolos específicos, de acordo com as normas internacionais, sobre o uso da força e de equipamentos antimotim, de forma a utilizar sempre os meios menos lesivos para as pessoas e evitando aqueles que causem lesões irreparáveis”, lê-se na nova formulação, com que se pretende que o recurso a balas de borracha deixe de ser uma opção.

O novo texto alarga a liberdade de manifestação, ao deixar de considerar como infracção protestos espontâneos sem autorização prévia, sempre que “o exercício pacífico de tal direito implique uma rápida expressão perante um acontecimento de clara repercussão social” e desde “que não se cause violência ou alteração da ordem pública”. Em caso de infracção, as multas passarão a ter em conta a situação económica do manifestante, com redução de até 50%, dependendo dos rendimentos.

Para além disto, a nova redacção da lei permite que se gravem e difundam “imagens em lugares de passagem pública e manifestações”: uma das questões que mais polémica causou nesta legislação era o facto de considerar como infracção grave “o uso não autorizado de imagens” – o que permanece como infracção é o uso de “dados pessoais ou profissionais de autoridades ou membros das Forças e Corpos de Segurança que possa pôr em perigo a segurança pessoal ou familiar dos agentes”.

As declarações de agentes continuam a gozar da presunção de verdade – em casos de agressão a um polícia, por exemplo – mas acrescenta-se que isso acontece “sempre que sejam coerentes, lógicas e razoáveis, salvo prova em contrário”, uma formulação que abre caminho a que essas declarações possam ser questionadas em julgamento.