Políticas de desenvolvimento económico: a importância da dimensão geográfica

O território que temos, o desenvolvimento que queremos e a reforma que falta (Texto 1 de 3)

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Miguel Manso

Por regra, a política económica é definida a partir de médias estatísticas. No entanto, uma média só faz sentido quando uma grande parte das unidades observadas se situa à volta de um valor mais ou menos representativo do conjunto. A economia regional, urbana, ou simplesmente a realidade geográfica. raramente se conforma com esta hipótese.

Por exemplo, veja-se a distribuição das cidades num país. Não há praticamente em nenhum país um tamanho de cidade padrão. De resto, se houvesse um tamanho ótimo de cidade, haveria muitas cidades com esse tamanho, o que não se verifica. O que se observa é que a distribuição do tamanho das cidades num país segue, mais ou menos, uma espécie de “lei”, dita Lei de Zipf, em que, partindo da dimensão da primeira cidade, a segunda terá aproximadamente metade do tamanho da primeira, a terceira 1/3, a quarta 1/4 e assim consecutivamente.

Isto implica que há poucas cidades desproporcionadamente grandes (como Lisboa e Porto, consideradas aqui como facto geográfico, e não como representação político-administrativa) e muitas outras, mas muito mais pequenas. Nesta hierarquia de cidades não faz sentido falar de médias, uma vez que a grande maioria das cidades se situa longe da dimensão média do conjunto. Este tipo de realidade estatística também se aplica a muitas outras situações, como por exemplo o tamanho das empresas numa certa atividade económica, na sua contribuição para as exportações, na concentração de inovação ou riqueza, ou no número de conexões nas redes sociais ou na Internet, entre tantos outros aspetos.

O problema da média é importante na territorialização das políticas. Será que as políticas que servem para Lisboa e Porto podem ser aplicadas em todas as cidades portuguesas? Obviamente que não. No entanto, a maior parte das políticas económicas continuam a ser definidas em termos de médias estatísticas, como por exemplo no objetivo de reduzir a taxa média de desemprego, de aumentar a taxa de crescimento médio da produtividade ou do PIB, ou de aumentar o nível médio de educação.

É certo que algumas políticas devem ser definidas de maneira uniforme num país ou mesmo num espaço supranacional. A política monetária ou cambial, ou uma taxa sobre o conteúdo em carbono têm de ser uniformes, para reduzir as distorções que podem criar nas atividades económicas dentro de um mesmo país.

Também muitas das políticas de educação ou de saúde têm de ter uma base uniforme, para não criarem desvantagens ou vantagens injustas. Sendo certo que, nestes setores, também pode haver políticas de diferenciação com base territorial que ajudam a melhorar a eficácia e a poupar recursos.

A diversidade geográfica, económica ou cultural num país, mesmo os mais pequenos do que Portugal (como a Dinamarca, a República Checa ou a Croácia) pede que as políticas sejam também capazes de se diferenciar geograficamente. Mas, para isso, é preciso estar consciente da existência da granularidade e da pouca importância da média face ao valor da diversidade. E falar da média em Portugal, dentro do país no seu todo, por vezes, é tão enganador como falar de médias em Lisboa ou noutra cidade, porque as desigualdades, dentro de uma cidade, podem ser tão ou mais significativas do que de entre diferentes partes do país.

Por isso é tão importante atualizarmos o conhecimento geográfico em que assenta a definição de políticas, as quais não podem (ou melhor, não devem), ser conduzidas a partir de valores médios, mas do conhecimento tão rigoroso quanto possível de uma realidade complexa e dinâmica, essencial para a eficiências das políticas.

Contudo, em Portugal, é habitual dizermos que há diagnósticos a mais e o que falta é fazer. Mas, se é assim, porque é que o que fazemos – no quanto e quando, no como e no onde – não nos leva a ficar satisfeitos com os resultados? Não haverá algum problema também no diagnóstico? Claro que a “insatisfação” tem vários motivos, desde logo a comparação ser quase sempre realizada com o centro e norte da Europa (e não para sul, para Marrocos e Argélia), e verificarmos a distância a que estamos, em termos de produção de riqueza e de níveis de bem-estar e de rendimento, ou ser agora lançada para leste (Polónia, países do Báltico, Hungria e Roménia) e verificarmos um crescimento económico muito superior ao nosso (avaliado em PIB per capita).

Depois, há outra insatisfação, que se sente internamente, quando olhamos uns para os outros. Seja porque, como noutros lugares do mundo, a riqueza se concentra em muito poucos e tão intensamente que chega a ser desagradável, seja na dimensão espacial, onde as desigualdades se aprofundam a várias escalas, apesar do discurso nacional e do dinheiro europeu para a coesão.

Acreditamos que, de facto, parte da falta de eficiência das políticas tem como ponto de partida o diagnóstico e o respeito pela granularidade e complexidade do país. O que parte de algo ainda mais básico do que o diagnóstico: a simples caracterização territorial, ou seja, a (in)compreensão da dimensão geográfica de muitos dos nossos problemas e vantagens como país.

Veja-se o caso das políticas urbanas, desenvolvidas quase sempre na dimensão concelhia (salvo água, lixos, transportes e pouco mais). E, todavia, boa parte das pessoas que estão em Lisboa numa quinta-feira de Janeiro às 15h residem fora do concelho, sem falar do facto de aí dormirem, num dia de agosto de 2019 (com taxa de ocupação de 90% em hotéis e alojamento local) cerca de 60.000, grande parte das quais não vivem em Portugal. Não será talvez muito diferente em Cascais ou no Porto.

Resulta óbvia a necessidade de pensar além do concelho para que a política urbana seja eficiente. Como em São João da Madeira, onde medidas num determinado sentido não terão o mesmo efeito na vida das pessoas, se Santa Maria da Feira e Oliveira de Azeméis tiverem opções antagónicas. Assim como muitas das políticas não urbanas para o desenvolvimento territorial não podem ter eficácia à dimensão concelhia quando estamos perante concelhos cujo número de habitantes é inferior ao de dois prédios da freguesia de Campanhã.

De facto, se a autarquia é administrativamente uma expressão da maior importância, isso não pode ser confundido – como tem acontecido – com ser a dimensão concelhia a mais pertinente para as políticas mais relevantes a uma escala abaixo da central, tanto mais que há cidades parte de concelho (Viana do Castelo ou Évora, entre tantas outras) e concelhos que são parte de um grande espaço urbano (como Seixal, Valongo ou Olhão).

Outro exemplo de lapso geográfico: a ideia de Lisboa ser a maior cidade de Portugal. Avaliada em população e confundida a cidade com concelho, claro que o é. Mas quantos saberão que o concelho de Lisboa tem mais do dobro da área do concelho do Porto? Pelo que, o concelho do Porto tem também quase metade da população do concelho de Lisboa e, para uma mesma área, há um número de residentes equivalente, somados os residentes do concelho do Porto com os de algumas freguesias de Matosinhos, Maia, Valongo, Gondomar e Vila Nova de Gaia?

Outro aspeto da geografia urbana que não ajuda é a confusão entre a dimensão geográfica e um título atribuído politicamente. Chamar cidade a Valbom (Gondomar) e dizer que esta acaba junto ao Palácio do Freixo (para o Porto) ou a Casa Branca (para S. Cosme de Gondomar) não faz sentido. Muito menos saber-se que Sintra ou Ponte de Lima não são cidades, ao contrário de Pinhel ou Santana. Se isso tem alguma importância, além da simples curiosidade? Sim, tem. Desde logo, nas opções de política à escala nacional e na política de cidades que é definida para ser seguida à escala municipal. Haverá soluções? Claro sim.

Na caraterização de Portugal, há um outro mito que importa questionar: o da litoralização. De facto, o que os dados nos dizem (fig), se virmos a forma como se distribuem os concelhos com mais elevada densidade populacional, é que tem havido uma progressiva concentração em torno de alguns espaços urbanos, com especial vantagem para áreas próximas de Lisboa e Porto. Alguns autores chamam a este processo “metropolização”, associando-lhe não apenas a concentração de pessoas, mas também a de poder de decisão políticas, sedes de grandes empresas e meios de comunicação. Porque insistimos então em falar de litoralização, quando a densidade é tão baixa a sul de Setúbal e não há como chamar-lhe elevada entre Peniche e Aveiro? Talvez para se falar de um vazio no interior?

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Outro problema de linguagem que nada ajuda no entendimento do país. Afinal, não é que este dito vazio, despovoado e envelhecido, vistos os valores, é bem mais povoado que o outro lado da fronteira?

Além disso, associar interior a envelhecimento e isso a problemas não ajuda, melhor será lembrar que o maior pólo urbano ibérico – Madrid – fica bem mais longe do mar do que Bragança ou Elvas e que uma das maiores e melhores cidades da Europa (Munique) fica ainda mais longe do mar do que Madrid.

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