Cartas ao director

A enganadora tibieza

Nos anos 60 assisti à detenção do meu pai, Eleutério Teixeira, pela PIDE. Ele participara na tentativa de assalto ao Quartel de Beja em conluio com Humberto Delgado, para derrubar o regime. Nos anos de julgamento dos revolucionários que levaram a cabo a intentona, ouvia em casa o nome de Jorge Sampaio, advogado de alguns dos antifascistas, embora o meu pai tenha sido defendido por Mário Soares e posteriormente por Salgado Zenha. Em 1995 candidatei-me à Presidência da República para mostrar que os candidatos sem apoio dos partidos são descriminados. Cavaco Silva, Jerónimo de Sousa e Jorge Sampaio eram os outros concorrentes. Convidei-os para debates. Embora não aceitassem, soube por amigo comum que Sampaio reconhecia algum mérito na minha propositura. Anos mais tarde participei com Sampaio num congresso na Gulbenkian onde apresentámos teses sobre a Democracia. Depois voltámos a encontrarmo-nos e ate conversámos na inauguração do Museu da República. Em Julho de 96, Jorge Sampaio, Presidente da República teve de ficar internado no hospital por problemas cardíacos. Nessa ocasião, e ainda com a minha desistência fresca na memória dos eleitores, dei uma entrevista onde sugeri que deviam ser chamados a substituir o PR os candidatos e sobretudo os excluídos, como eu, pela partidocracia reinante e a sua máquina trituradora. Anos depois estive de novo com Sampaio numa homenagem a Delgado. Agradeceu a minha disponibilidade para o substituir em 96. Deixo aqui este testemunho sobre uma figura forte da sociedade que nos despistou ao aparentar uma tibieza que afinal potenciava profundas mudanças.

Aristides Teixeira, Almada

Espaço Rialto - fresco de Abel Salazar em risco?

Em 1999, fui gerente de uma sucursal bancária do agora Millennium BCP localizada no espaço do antigo café Rialto. Nessa data, a sucursal reabriu após obras de remodelação. Apercebi-me então, com surpresa, de que o fresco do Abel Salazar tinha ficado ocultado por uma frente de máquinas automáticas e multibanco. Através da sensibilização da Fundação Abel Salazar foi diligenciada a remoção desses equipamentos para permitir o usufruto da obra de arte. Mais: o contributo do administrador à época (Miguel Cadilhe) permitiu iniciar o longo restauro do fresco entretanto danificado, tarefa entregue a Mónica Baldaque.

Entretanto, o banco não renovou contrato de arrendamento e entregou o espaço. Apercebo-me que uma marca comercial (actual arrendatária do espaço do Rialto) prepara a abertura da loja para muito breve. Do exterior já se percebe que o fresco do Abel Salazar ficou por detrás de uma parede de pladur e de prateleiras que irão expor artigos da Disney, Marvel, Nós os Ursos, Rua Sésamo: a história repete-se “primeiro como tragédia, depois como farsa”….

A intenção que me move é a mesma de 99: exercício de cidadania e recusa da inércia perante um crime de lesa-arte. Estou a denunciar esta situação para garantir a preservação e repor a visibilidade pública desta obra de arte.

José Costa Pereira, Porto

Comunicar?

Durante as campanhas políticas para qualquer lugar do poder público somos sistematicamente confrontados com as opiniões dos candidatos expressas aos gritos e com ar irado, ou assim parecendo, quando publicitam os seus programas ideológicos quer divulgando os seus êxitos e vantagens quer censurando as iniciativas ou objectivos dos adversários. Será que acreditam que “berrando” com tal vigor serão mais credíveis e entusiasmantes para os seus apoiantes, que os aplaudem imediatamente e para os outros que pretendem interessar no seu projecto? Se assim é não têm razão. Porque o que mostram é uma encenação de paixão pouco digna que nada oferece de melhor em relação a um discurso feito de forma simples, objectiva, com clara precisão da ou das formas como pretendem executar projectos ou como querem demonstrar os absurdos afirmados pelos que pensam de forma diferente.

Este modelo comunicacional coloca no mesmo nível a discussão dos interesses do país e as conversas televisivas sobre resultados de jogos de futebol justificando que os portugueses se sintam cidadãos menores, pessoas que só se interessam pelos problemas sérios se estes lhes forem gritados no tom apaixonado que usamos nos recintos desportivos. Por este caminho, em breve, chega(remos) a uma postura social onde será natural o insulto político feito com a mesma falta de fundamentação que hoje usamos para desacreditar os árbitros. Com o consequente aumento da abstenção eleitoral.

M. M. Camilo Sequeira, Algés

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