Velo-city 2021: “O ciclismo dá esperança”

O contributo da bicicleta para uma economia mais verde, um turismo mais sustentável e para a construção de cidades mais activas e inclusivas esteve em discussão no segundo dia do Velo-city 2021, durante o qual foi deixada uma nota de esperança para o futuro.

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Leonor Patrocínio / Dário Paraíso
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De Bruxelas a Lisboa a pedalar, num total de mais de três mil quilómetros, foi o percurso que Matthew Baldwin, vice-director da Direcção Geral da Mobilidade e dos Transportes da Comissão Europeia e Coordenador Europeu para a Segurança Rodoviária, cumpriu para estar presente na Velo-city 2021, evento que decorre em Lisboa até 9 de Setembro, e no qual participou como orador no plenário intitulado “A mudança de velocidade para uma economia mais verde e um turismo sustentável”. Mas a verdade é que para haver cicloturismo não é obrigatório que se percorram distâncias assim tão grandes de bicicleta, já que são muitas as opções hoje disponíveis para um turismo mais sustentável, como ficou claro ao longo da sessão moderada pela jornalista Catarina Carvalho.

Também um acérrimo utilizador da bicicleta, Philippe Crist, conselheiro de inovação e prospectiva no Fórum Internacional dos Transportes (ITF, na sigla em imglês), partilhou com a plateia algumas medidas que se espera que os decisores políticos venham a tomar para assegurar a transição para a mobilidade sustentável. “As alterações climáticas são uma questão importante, mas não é a única coisa de que temos de falar”, começou por avisar, lembrando que a necessidade de transportes vai duplicar entre 2015 e 2050, sendo de prever que os transportes passem a emitir mais 16% de dióxido de carbono (CO2) no final desse período se nada for feito para o evitar. Assim, tendo em conta esta tendência, o ITF identifica várias tarefas essenciais para reformular os sistemas de transportes, nomeadamente, “temos de alinhar os pacotes de recuperação pós-pandemia para revitalizar a economia, combater as alterações climáticas e assegurar a equidade”, enumerou. “Apoiar a inovação para acelerar as inovações tecnológicas para a descarbonização” é outra das medidas apontadas pelo ITF, com Philippe Crist a defender que “temos de ter a mobilidade activa no centro da nossa inovação tecnológica”. “Posso lembrar o público que a maior história de sucesso da mobilidade eléctrica não é a substituição de carros poluentes por carros não poluentes, mas a utilização de bicicletas e scooters eléctricas”, salientou. Ainda assim, para que qualquer uma destas estratégias seja alcançada, “precisamos de procurar uma maior colaboração fora do sector dos transportes e o principal será o sector do turismo”, sustentou. Ainda assim, O também reconhecido especialista mundial em segurança e política de ciclismo deixou evidente que “estas estratégias só significam alguma coisa se forem implementadas” e terminou com uma nota de optimismo, dizendo que “o ciclismo dá esperança.” “A bicicleta não vai resolver todos os desafios, mas estou convencido que um mundo cheio de ciclistas será um mundo em que estes desafios estão no caminho de serem resolvidos”, afirmou.

Ouvir e construir em conjunto

Mas será que os políticos estão a fazer as escolhas certas para que a mudança aconteça? A pergunta foi dirigida a Matthew Baldwin, segundo o qual “a Europa não precisa que a Comissão Europeia esteja de dedo apontado a dizer o que todos têm de fazer”. Mesmo assim, explicou que vai ser revisto o enquadramento da mobilidade urbana de 2015 e para tal pediu ajuda aos países, para que estes encontrem indicadores, porque “não temos dados sobre quantas pessoas andam de bicicleta ou quantas vão de bicicleta para o trabalho”, lamentou. “É também importante que a mobilidade urbana esteja mesmo no centro daquilo que estamos a fazer em termos de alterações climáticas”, realçou, dando ainda conhecimento do projecto que estará disponível “nas próximas semanas”, denominado Cem Cidades Verdes. Mas porque, nas suas palavras, “não se conseguem cidades neutras sem ciclismo”, um ponto crucial depende dos cidadãos e não da Comissão Europeia, “mas há que ouvir e construir coisas em conjunto”, admitiu.

A propósito de construção, um dos temas em discussão foi, como não podia deixar de ser, o facto de Portugal ser o maior construtor de bicicletas da Europa e um dos maiores do mundo. Para falar sobre o assunto, esteve presente Gil Nadais, secretário-geral da ABIMOTA, Associação Nacional das Indústrias de Duas Rodas, Ferragens, Mobiliário e Afins, que destacou o papel importante da cidade de Lisboa no incremento da utilização de bicicletas com reflexo em todo o país. Quanto ao sucesso, Gil Nadais explica que Portugal tem algumas fábricas de referência da Europa – por exemplo, possui as maiores fábricas da Europa de montagem de bicicletas, construção de rodas, de correntes e de porta-bebés para bicicletas – mas, do total de produção, Portugal apenas fica com 8%, o resto destina-se a exportação. A razão do sucesso, nas palavras do responsável, ficou a dever-se ao facto de, há seis anos, a indústria e a sua associação se terem unido, fazendo um projecto de internacionalização e captação de investimento.

Mas até no que diz respeito à produção é possível elevar a fasquia em termos de sustentabilidade. Embora não seja portuguesa, a Riese & Müller produz bicicletas eléctricas e a sua CEO, Sandra Wolf, partilhou algumas ideias com os participantes do Velo-city 2021 através de uma comunicação gravada em vídeo. “Até 2025, queremos ser o fabricante de bicicletas eléctricas mais sustentável do mundo”, revelou, mas advertindo ao mesmo tempo que “precisamos que todos o façam também”, isto é, que todos tenham preocupações quanto às emissões de carbono e produção de resíduos, pois “isto não é coisa que se consiga fazer sozinho”.

Turismo sustentável

Jose Luis Soro, ministro do Desenvolvimento do Território, Mobilidade e Habitação da Comunidade Autónoma de Aragão (Espanha) participou igualmente para partilhar a estratégia adoptada em Aragão para a utilização de bicicletas, a qual consiste num documento com 114 acções concretas para serem postas em prática ao longo de sete anos e para o qual dispõem de um investimento de 15 milhões de euros. O responsável frisou que mais de metade da população vive na capital, Saragoça, sendo “importante desenvolver o uso da bicicleta, não só do ponto de vista da mobilidade urbana, onde se concentra a maior parte da população, mas ao mesmo tempo para impulsionar o cicloturismo como elemento dinamizador contra o despovoamento”.

Sobre a utilização da bicicleta por quem visita o nosso país, Luís Araújo, presidente do Turismo de Portugal, constatou que “não é possível para todos virem a Portugal de bicicleta” – tal como fez Matthew Baldwin – e, pelo facto de nos situarmos no extremo da Europa, “quase 70% do nosso turismo vem de avisão”, mas há aquilo que o responsável designa como “uma segunda fase”, relacionada com a forma como as pessoas decidem explorar o país e aí “a mobilidade sustentável tem muito a fazer, especialmente o ciclismo”, defendeu, acrescentando que “em Portugal temos mais de 15 mil quilómetros de rotas cicláveis”. Mas para que seja possível aumentar essa distância, explicou que é necessária mais colaboração, nomeadamente da parte de entidades públicas e privadas, as quais devem ser sensibilizadas para a importância do tema. Educação, conhecimento e informação para a inclusão são outras dimensões envolvidas quando se quer incrementar o cicloturismo, destacou ainda.

A este propósito, Alessandra Priante, directora do Departamento Regional Europeu da Organização Mundial do Turismo, corroborou que “a educação e a comunicação são muito importantes”. “Considero sempre um turista como um cidadão temporário de um país e se esse país não funcionar para os cidadãos, se há problemas de mobilidade ou transportes, a experiência não vai ser boa [para o turista]”, justificou, reforçando a importância de todos estarem informados.

Activismo pela saúde

“Cidades activas e inclusivas – construir o futuro com os cidadãos” foi outro tema em debate no segundo dia do Velo-city 2021, tendo contado com a participação de Frederico Lopes, investigador e docente na área do desenvolvimento motor na Faculdade de Motricidade Humana, Universidade de Lisboa. Assumindo-se como activista pelos direitos das crianças e pelo seu uso do espaço público, chamou a atenção para o facto de as cidades estarem desertas no que diz respeito à presença de crianças e jovens, o que o leva a questionar: “Será que as crianças estão a ser consideradas como construtoras activas da cidade?” Tendo em conta que são cidadãos, devem ser considerados, enfatizou, até porque “estamos a viver uma crise de actividade física, de sedentarismo, as crianças não estão a brincar na rua”. Nas suas palavras, “a mobilidade independente das crianças é essencial para o uso que fazem do espaço público”, mas tal está ameaçado, já que a sua mobilidade é actualmente muito centrada no automóvel. “As crianças precisam de aprender e de correr riscos; se o ambiente for demasiado estéril não lhe dá oportunidade de aprender”, reforçou, partilhando com a plateia algumas iniciativas criadas com o objectivo de proporcionar que as crianças brinquem na rua, aprendam a andar de bicicleta, entre outras actividades.

Também Francesca Raciopi, chefe do Centro Europeu para o Ambiente e a Saúde da Organização Mundial da Saúde, chamou a atenção para a importância da bicicleta para a saúde das populações. “O ciclismo regular reduz a mortalidade em 10%”, sublinhou, especificando que em causa está “a prática de exercício moderado com a duração de 30 minutos por dia”, ou seja, esta é “uma actividade boa para a saúde e deve ser promovida”. Como tal, entende que “os decisores políticos têm de ajudar a fazer estas alterações”, apelando a que os Estados-membros “se unam numa declaração conjunta em que se inclua o ciclismo” e onde este “deve ser reconhecido como um poderoso meio de melhorar a saúde”.

Cidades mais saudáveis e sustentáveis

Quem desenvolve um projecto destinado a tornar as cidades mais saudáveis, tendo por base o planeamento urbano e a mobilidade é Lucy Saunders, responsável pelo projecto Healthy Streets, cuja metodologia já foi implantada durante cinco anos em Londres (Reino Unido), sendo adaptada localmente, por todo o mundo, conforme a realidade de cada lugar. Partilhando a sua experiência, sublinhou a importância do activismo, pois “os líderes não acordam um dia a decidir que querem fazer as coisas diferentes, eles ouvem o que lhes dizemos”.

Semelhante perspectiva tem Rosa Félix, investigadora de mobilidade urbana no Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa, segundo a qual, questões como a utilização da bicicleta em contexto urbano “não é algo que se possa mudar de um dia para o outro, principalmente numa cidade em que ninguém andava de bicicleta”, disse, referindo-se à enorme mudança observada na cidade de Lisboa.

Na sessão participou ainda Cantal Bakker, holandesa que desde 2015 gere um projecto relacionado com o uso de bicicleta em Marrocos, denominado Pikala Bikes. Através desta iniciativa, promove o emprego entre os jovens, contribui para o desenvolvimento da economia local e incentiva o cicloturismo na região. “Pensei que a bicicleta constituía um bom modelo de negócio para os turistas descobrirem Marraquexe e, ao mesmo tempo, oferecer oportunidades de trabalho”, explicou durante a conversa moderada por Graham Watson, membro do conselho de administração da Federação Europeia de Ciclistas.

Das bicicletas de carga às ciclovias na Europa

No segundo dia daquela que é considerada a maior reunião mundial sobre mobilidade em bicicleta, e que está a decorrer em Lisboa, na FIL, entre os dias 4 e 9 de Setembro, os temas em debate foram muito além dos discutidos nas sessões plenárias. “Explorar o potencial infinito das cargo bikes”, “A evolução das ciclovias na Europa”, “Incentivos fiscais e financeiros para a mobilidade em bicicleta”, “Criar espaço para caminhar e pedalar”, “A rota para o sucesso do turismo de bicicleta” ou “Das cidades dos 15 minutos ao renascer do bairro”, foram algumas das discussões vibrantes realizadas ao longo do dia, com o empenho de inúmeros oradores e contando com as perguntas e partilhas dos participantes no Velo-city 2021.