Um caso em dez milhões: gaivota abriu porta do porão de carga de avião na Madeira

O acidente, revelado esta semana, deu-se em Junho de 2011 no Funchal. Airbus fala em “falha catastrófica” com 112 pessoas a bordo. Todos se salvaram, mas do susto não escaparam.

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O acidente forçou Airbus e Aeroporto da Madeira a tomar medidas correctivas e de prevenção Rui Soares (colaborador)

Foi só um susto, mas foi um dos grandes. Junho de 2011, Santa Cruz, Madeira. Um Airbus A320, da SATA, segue pela pista do aeroporto madeirense com sete tripulantes e 105 passageiros a bordo. O destino é Copenhaga, na Dinamarca, mas não vai lá chegar.

Já para lá dos dois terços da pista, quase em plena aceleração, o aparelho é atingido por um bando de gaivotas. O trem de aterragem, flaps, a fuselagem e a asa recebem o impacto e os dois motores “engolem” algumas aves, ficando também danificados.

Mais grave e muito, mas muito improvável, foi o facto de uma gaivota ter atingido o manípulo de abertura de uma das portas do porão de carga, fazendo-a abrir em pleno voo.

A Airbus definiu o acidente como uma “falha catastrófica”, considerando que, devido aos sistemas de segurança – a porta só abre quando o manípulo é colocado num determinado ângulo –, a probabilidade desta ocorrência é de um para dez milhões. “Este evento foi o único conhecido até à data, resultando na abertura inadvertida da porta de carga entre as centenas de milhões de horas de voo acumuladas na família de aeronaves A320”, indica o fabricante aeronáutico, no relatório do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF), divulgado esta semana.

O avião, com os motores a perder potência, esteve cerca de três minutos no ar, antes de voltar a aterrar de emergência no aeroporto madeirense. Só na pista é que os pilotos foram informados de que a porta do porão de carga estava aberta, pois o sistema de alerta automático ainda não existia na altura do acidente.

“Se o evento ocorresse com um diferencial de pressão da cabine superior (portanto, a uma altitude mais elevada, mas com uma probabilidade muito menor de encontrar aves), a consequência da abertura da porta em voo pressurizado poderia, em última análise, ser ‘catastrófica’”, concluiu o GPIAAF, que recomenda à Airbus o desenvolvimento para a família Airbus A320 de um sistema de alerta e respectivo procedimento para a tripulação, para a eventualidade da abertura da porta do porão de carga.

Para já, em resultado do acidente, foram tomadas medidas por parte do fabricante aeronáutico. A Airbus estabeleceu um plano para estudar as forças aplicadas no manípulo, que possam resultar na abertura acidental da porta de carga. O resultado foi a disponibilização, em 2016, de um novo sistema com uma funcionalidade adicional para evitar a deslocação inadvertida do manípulo da porta de carga devido ao impacto de aves. 

Também o aeroporto da Madeira respondeu ao acidente, introduzindo em 2017 um serviço de falcoaria, como reforço às medidas já existentes – pirotécnica, armas de fogo, alarmes sonoros, desinfestação das bermas da pista –, para reduzir a população de aves junto à infra-estrutura aeroportuária.

Desde essa data, adianta o GPIAAF, não foram registados mais incidentes envolvendo aves no aeroporto da Madeira. Mesmo antes disso, o índice de bird strikes (colisão com aves) no Funchal estava em linha com os maiores aeroportos mundiais. No Reino Unido, o índice é de 5,00 ocorrências por 10 mil movimentos de aeronaves. Na Alemanha, o valor é de 4,42, e no arquipélago a média ronda os 4,00.

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