Nós, os ratos e os adoçantes

Se acompanhar uma bifana com batatas fritas e molhos com um refrigerante light e fumar um cigarro no fim, pode ter a certeza de que o refrigerante é o componente mais inócuo dessa refeição.

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Os adoçantes têm um papel importante na redução da ingestão calórica quando em substituição do açúcar, contribuindo desse modo para uma maior perda de peso Getty Images

O recente gesto de Cristiano Ronaldo promovendo água em detrimento de refrigerantes foi falado em todo o mundo e capitalizado por muitos nutricionistas como um gesto épico e à escala global de educação alimentar (independentemente das incoerências sobre os patrocínios passados e da associação atual a promotores de pseudociência). Foi então o suficiente para se voltar a falar da tríade: refrigerantes, açúcar e adoçantes e o seu impacto na saúde. Sobre os adoçantes existem sempre muitas dúvidas:

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O recente gesto de Cristiano Ronaldo promovendo água em detrimento de refrigerantes foi falado em todo o mundo e capitalizado por muitos nutricionistas como um gesto épico e à escala global de educação alimentar (independentemente das incoerências sobre os patrocínios passados e da associação atual a promotores de pseudociência). Foi então o suficiente para se voltar a falar da tríade: refrigerantes, açúcar e adoçantes e o seu impacto na saúde. Sobre os adoçantes existem sempre muitas dúvidas:

O seu valor calórico é mesmo zero? Em grande parte dos casos, sim e, nos que não o é, a quantidade utilizada é tão baixa que a contribuição para as calorias do alimento é muito pequena;

Causam cancro? Não. Os adoçantes artificiais não estão associados a um aumento do risco de cancro (mesmo o aspartame, que não se livra dessa fama), sendo que as associações com significado estatístico até vão no sentido contrário, o da redução do risco de cancro do ovário e pâncreas.

São piores que o açúcar? Não. Os adoçantes têm um papel importante na redução da ingestão calórica quando em substituição do açúcar, contribuindo desse modo para uma maior perda de peso (sobretudo de pessoas com excesso de peso e obesidade).

Podem interferir com a nossa microbiota (flora intestinal) e aumentar o risco de diabetes a longo prazo? Não necessariamente. Desde um célebre estudo em 2014 que este era um dos principais receios quanto aos adoçantes, o de melhorar o nosso controlo glicémico a curto prazo, mas ir deteriorando-o ao longo do tempo. Acontece que, quando se analisa esse efeito em humanos com doses de consumo normais em vez de megadoses em ratinhos, não existe evidência de que esse risco seja real. A extrapolação precoce de resultados em animais para a evidência em humanos é um isco fácil para os media, cada vez mais dependentes do clickbait para sobreviver. É por isso necessário que exista total transparência na comunicação da ciência, tendo sido recentemente notícia um estudo que conclui que, quando os títulos dos artigos científicos omitem os ratinhos, as notícias também tendem a fazê-lo, existindo mesmo a conta no Twitter @justsaysinmice para alertar para esse tipo de situações. Outro ponto curioso é que o edulcorante que até pode interferir mais com a nossa microbiota é o mais “natural” de todos e o que tem maior aura de saudável!

A stevia parece ter uma influência bem maior na alteração da nossa população bacteriana intestinal do que outros adoçantes como o aspartame, acessulfame K, sacarina, sucralose e todos os polióis (que até possuem efeito prebiótico). Curiosamente, também é a stevia que tem uma menor dose diária de ingestão aceitável em comparação a todos os outros adoçantes, o que quer dizer que a promoção deste edulcorante como o mais “saudável” pode não ser igualmente muito feliz. É importante realçar que esta dose diária aceitável deste e de outras substâncias corresponde a uma quantidade 100 vezes inferior à quantidade mínima que se verifica ter efeito negativo em animais.

É importante contextualizar que toda esta discussão académica só interessa aos nutricionistas e outros profissionais da área. Quando se sai fora dessa bolha, a pessoa “normal” apenas quer ver uma resposta muito simples respondida: “Os adoçantes fazem mal?” Ou então: “É melhor beber um refrigerante açucarado ou a sua versão light/zero?” Grande parte delas nem sequer sabe o que a palavra “microbiota” quer dizer e quando souberem desses potenciais riscos a longo prazo e apenas observados em ratinhos vão certamente dizer que “vão morrer de outra coisa antes disso”.

Esta mensagem não deve ser percebida como uma promoção dos refrigerantes ou de outros alimentos com adoçantes, mas como uma humanização do discurso para pessoas reais, em vez do tradicional “nutricionalmente correto” de que é preciso eliminar tudo da alimentação. Poder beber um refrigerante doce, fresco e sem calorias porque estão mais de 30 graus ou quando o prato pede mais do que apenas uma água é de facto uma excelente notícia!

Se acompanhar uma bifana com batatas fritas e molhos com um refrigerante light e fumar um cigarro no fim, pode ter a certeza de que o refrigerante é o componente mais inócuo dessa refeição. Os adoçantes são um avanço científico que permite uma poupança gigantesca de açúcar e calorias ingeridas, mas que deve ser na mesma encarado como algo esporádico e nas refeições fora de casa, sobretudo pela criação de um hábito pernicioso de existir sempre uma bebida doce a acompanhar uma refeição que pode alterar o nosso paladar e levar a uma procura aumentada por alimentos doces. Por isso, uma dica útil é nunca ter estes produtos em casa e a tê-los, sempre em latas individuais e não em garrafas, pois, a partir do momento em que abre o frigorífico e vê uma garrafa de refrigerante aberta, muito dificilmente vai preferir beber água.

Neste e noutros casos, cada vez mais se torna importante olhar à nossa volta e fazer uma simples reflexão: quão boa deve ser a nossa vida, para que o nosso principal medo seja um adoçante artificial… Não deixe que mais um problema de primeiro mundo afete negativamente a sua relação com a comida.