As mães não vão de férias quando se vai de férias

É tão bom entregarmo-nos a alguém que faz o papel do nosso vice-almirante das vacinas: organiza e decide, deixando-nos a cabeça livre para outras coisas.

Foto
@designer.sandraf

Querida Mãe,

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Querida Mãe,

Hoje faço birra a ser adulta. Não quero. Não me apetece.

Estou farta. Não, espere, não estou a romantizar a infância, sei que bem que a infância é difícil. Pronto, esta minha crise é só em relação às viagens.

Vamos para os Açores. De férias. Só que as mães não vão de férias quando se vai de férias, já sabia isso? Desconfio que sim! É que a coisa mais cansativa de ser mãe é tomar decisões. E o que são as preparações de umas férias se não tomar mil decisões?

Não tenho nada contra a viagem em si, nem sequer me importo de aturar birras. Levo sempre na mala expectativas muito baixas em relação ao quanto os miúdos se vão divertir e por isso corre sempre tudo bem. Não, o que me angustiou foi que, a dois dias da partida, o meu único pensamento era “Porque é que não posso ir viajar com a minha mãe e com o meu padrasto? Ou com o meu pai e a minha madrasta?”. Não é que não vos adore, mas pensei que era suposto uma mulher de 34 anos, com um marido fantástico e quatro filhos, desejar ardentemente ir viajar com os pais e padrastos! E foi então que, deitando-me no meu próprio divã, percebi que o que não queria era ser obrigada a tomar decisões.

Queria estar a sonhar com o que vamos fazer (confiando que alguém já tinha um roteiro); imaginar o sítio onde íamos ficar (sem ter que comparar preços, fazer reservas, ficar uma pilha de nervos com medo de enganar nalguma coisa e, claro, pagar!); queria estar a preparar a minha mala (com a certeza que alguém confirmaria se não faltava nada); queria entrar no carro às 5h da manhã (sem medo de que seja tarde ou cedo demais para chegar à hora do voo); queria ter medo de andar de avião (mas ter lá a mãe a garantir-me que não ia acontecer nada). Mãe, o avião não vai cair, pois não? Resumindo e concluindo: queria ir de férias como filha. Posso ir de férias convosco?


Querida Filha,

Vamos já marcá-las. Porque tens direito a férias de mãe, direito a voltar a ser filha durante um bocadinho, a que tomem conta de ti o tempo suficiente para recarregares as baterias. É tão bom entregarmo-nos a alguém que faz o papel do nosso vice-almirante das vacinas: organiza e decide, deixando-nos a cabeça livre para outras coisas. Vou encomendar essas férias ao nosso.

Mas como tudo tem um outro lado da moeda — às vezes não queremos mesmo que decidam por nós. E refilamos (e culpabilizamo-nos pela suposta ingratidão). Por isso, querida, acho que vamos começar por um fim-de-semana, deve ser a dose certa para manter a nostalgia.

E não, Ana, o avião não vai cair.

Boas férias a dar férias aos teus filhos, e cá te espero para as tuas.


No Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook Instagram.