Covid-19: médica da Administração Trump diz que milhares de mortes podiam ter sido evitadas

Deborah Birx foi a principal coordenadora da resposta da Casa Branca à pandemia de covid-19 em 2020. Em entrevista à CNN, disse que as 450 mil mortes registadas desde o Verão passado nos EUA “podiam ter sido reduzidas de forma substancial”.

Foto
Deborah Birx entre o cientista Anthony Fauci e Robert Redfield, o ex-chefe do CDC Reuters/Jonathan Ernst

A coordenadora do combate à pandemia de covid-19 nos Estados Unidos da América durante a Administração Trump, Deborah Birx, sugeriu que o ex-Presidente norte-americano é o principal responsável por grande parte das 450 mil mortes registadas no país desde o Verão de 2020.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

A coordenadora do combate à pandemia de covid-19 nos Estados Unidos da América durante a Administração Trump, Deborah Birx, sugeriu que o ex-Presidente norte-americano é o principal responsável por grande parte das 450 mil mortes registadas no país desde o Verão de 2020.

“Na primeira vez, temos uma desculpa. Nesse pico inicial houve cerca de 100 mil mortes. Estou convencida de que todas as outras mortes podiam ter sido mitigadas, ou reduzidas de forma substancial”, disse Birx numa entrevista ao canal CNN, transmitida na noite de domingo.

Desde o fim da primeira vaga de mortes por covid-19, em finais de Maio de 2020, morreram 450 mil pessoas nos EUA, para um total de 550 mil segundo o balanço mais recente.

Deborah Birx foi muito criticada no ano passado por se manter em silêncio após as declarações mais controversas de Donald Trump (ao contrário do seu colega mais popular, Anthony Fauci), incluindo a sugestão do ex-Presidente para que a injecção de desinfectante fosse explorada como um possível caminho no combate à covid-19.

Nas primeiras semanas da pandemia, em Março de 2020, Birx surgiu em público a elogiar Trump pela sua “atenção aos detalhes científicos”, que seria uma vantagem da sua “capacidade para analisar e integrar informação ao longo de vários anos como empresário”.

No domingo, a médica e diplomata revelou que foi chamada para uma reunião com Donald Trump, em Agosto de 2020, depois de ter aconselhado as comunidades das zonas rurais onde se encontra grande parte do eleitorado de Trump a usarem máscara e a manterem o distanciamento físico durante o Verão.

Segundo Birx, “toda a gente na Casa Branca ficou transtornada” com as suas declarações, que iam contra a narrativa de que a transmissão do vírus ia começar a abrandar com o calor.

“Foi muito desconfortável, muito directa e muito difícil”, disse Deborah Birx sobre a sua conversa com Donald Trump.

A entrevista de Birx foi uma de várias que foram conduzidas pelo especialista da CNN na área da Saúde, o neurocirurgião Sanjay Gupta, para um programa especial sobre a resposta da Administração Trump à pandemia.

Pressões e mentiras

Numa outra entrevista, o antigo chefe dos Centros de Prevenção e Controlo das Doenças (CDC, na sigla original), Robert Redfield, acusou o secretário da Saúde nomeado por Trump, Alex Azar, de o ter pressionado a alterar os números do relatório semanal de morbilidade e mortalidade para os ajustar à narrativa que a Casa Branca pretendia transmitir a de que a pandemia não era tão grave como diziam os especialistas.

“Ele pode desmentir, mas essa é a verdade”, disse Redfield à CNN.

“Numa das vezes, não só fui pressionado pelo secretário [da Saúde] e pelos seus advogados, como também fui pressionado por telefone, pelos mesmos advogados e pelo chefe de gabinete, e durante mais de uma hora, quando ia a conduzir para casa”, disse o ex-responsável dos CDC.

O mesmo tipo de pressão política foi denunciado também pelo ex-chefe da autoridade do medicamento nos EUA (a Food and Drug Administration, FDA), o oncologista Stephen Hahn.

De acordo com o ex-responsável, o momento de maior tensão no relacionamento com a Casa Branca aconteceu em Agosto de 2020, quando a Administração Trump retirou à FDA a autoridade para avaliar a eficácia e segurança dos vários testes que estavam a ser desenvolvidos por laboratórios privados nos EUA.

Questionado sobre se a sua insistência em supervisionar os testes dos laboratórios privados (que viria a ser anulada pela ordem da Casa Branca) foi recebida com “gritos” por parte do secretário da Saúde da Administração Trump, o ex-responsável da FDA disse que “esse tipo de pressão existia”.

Em resposta à CNN, Alex Azar negou a existência de qualquer “conduta destemperada” nas conversas com Stephen Hahn, e disse que a insistência da FDA em supervisionar todos os testes “abrandou o desenvolvimento do programa de testes nos EUA”.

No mesmo programa da CNN, outro dos principais responsáveis na equipa de combate à pandemia na Administração Trump, o almirante Brett Giroir, acusou o ex-Presidente de mentir sobre a quantidade de testes que estavam disponíveis no país.

“Quando dissemos que havia milhões de testes disponíveis, não havia, certo?”, perguntou Sanjay Gupta ao antigo responsável pelo programa de testagem nos EUA. 

“Havia componentes de testes disponíveis, mas não os testes na sua totalidade”, disse o almirante Brett Giroir.

Críticas a Birx 

Tanto Deborah Birx como Robert Redfield, Stephen Hahn e Brett Giroir continuaram a trabalhar na Administração Trump até à tomada de posse de Joe Biden, a 20 de Janeiro. E as suas denúncias em particular as que foram feitas pela principal coordenadora, Deborah Birx estão a ser muito criticadas por especialistas que desde sempre acusaram o ex-Presidente dos EUA de agravar as consequências da pandemia ao desvalorizar os perigos de contágio.

“Ela tem razão, mas o que me deixa furioso é que isto aconteceu durante a liderança dela. Ela era a coordenadora da resposta à pandemia”, disse Jonathan Reiner, professor de Medicina e Cirurgia na Universidade George Washington. “Se ela não concordava com a forma como as coisas estavam a ser feitas, a obrigação dela era insurgir-se contra isso.”

Reiner comparou o número de mortes por covid-19 nos EUA e na Alemanha, um país com 83 milhões de habitantes e onde morreram 75 mil pessoas – resultado de uma resposta “que não está nem entre as melhores, nem entre as piores no mundo”.

Para que os dois países pudessem estar no mesmo patamar, o especialista disse que o número de mortes nos EUA devia ser hoje de 300 mil – menos 250 mil do que o balanço oficial.

“Acredito que centenas de milhares de pessoas morreram sem nenhuma necessidade”, afirmou Jonathan Reiner.