Há mais queixas de invasões de ódio em sessões Zoom organizadas por alunos

Ministério Público e PJ estão a investigar invasão racista em sessão de alunos do Liceu Camões, que aconteceu em Fevereiro. Sessões da associação de estudantes da Faculdade de Direito e da Faculdade de Letras, ambas da Universidade do Porto, relatam ataques semelhantes feitos esta semana.

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Este tipo de invasão a eventos online que decorrem em aplicações de videochamada como o Zoom têm acontecido em reuniões organizadas por estudantes Reuters/DADO RUVIC

O debate decorria no dia 17, pelas 18h, via Zoom, e Nuno Silva, membro do SOS Racismo estava a ser entrevistado. Organizado pela Associação de Estudantes da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, foi interrompido meia hora depois com ofensas a Nuno Silva. A primeira interrupção veio de uma voz feminina, e o entrevistado percebeu que eram insultos, mas não distinguiu o que estava a dizer.

Maria João Resende, presidente da associação, conta que esses anónimos “começaram a partilhar imagens inadequadas e a fazer ruído conjunto (vídeos de macacos, do Bolsonaro, sons de tiros e bombas)”. Nuno Silva recorda ainda ter ouvido, aos berros, uma voz masculina em loop dizer “Portugal aos portugueses”. 

A coordenadora do departamento cultural, Sofia Costa, “tentou silenciar e expulsar os intrusos, mas tal não foi possível”, explicou ao PÚBLICO Maria João Resende. 

A reunião foi terminada e começou outra, desta vez divulgando o link “apenas internamente”. “Conseguimos, apesar de tudo, manter o número inicial de participantes e prolongar esta frutífera e respeitosa conversa até às 20h”, afirma.

A presidente da associação diz que tentaram fazer queixa nos portais do Ministério Público e da Polícia Judiciária, mas não conseguiram, e vão denunciar “o mais brevemente possível esta questão junto das autoridades competentes, de forma presencial”. Não informaram a direcção da universidade por serem uma entidade independente e o evento ter sido organizado “sem qualquer ligação à instituição de ensino”.

Esta não foi a única vez que Nuno Silva presenciou intimidações deste género: conta que “quase todos os webinars” promovidos pelo SOS Racismo são “bombardeados” com insultos.

Este tipo de invasão, a que já foi até dado o nome de Zoombombing, aconteceu noutros eventos organizados por estudantes.

Em Fevereiro, o PÚBLICO noticiou a invasão de ataques racistas num debate organizado pela Associação de Estudantes do Liceu Camões sobre A Influência da Escravatura no Sistema e o Racismo Institucional com imagens de suásticas e de pessoas negras violentadas a ocupar o ecrã e vozes em inglês a dizer “preto volta para África”, “preto cala-te” ou a imitar o som de macacos. O Ministério Público abriu um inquérito e a Polícia Judiciária está a investigar. Uma das estudantes que denunciou o caso sob anonimato disse ao PÚBLICO que já prestou depoimentos na PJ. Contactada, a PJ diz que as investigações prosseguem. 

Também a aluna de Sociologia Rebeca Gomes conta ter presenciado a invasão num debate sobre género e raça promovido a 16 de Março pelo colectivo feminista da Faculdade de Letras do Porto, com um homem sentado a uma cadeira com auscultadores nos ouvidos, a gritar e “rasgando a blusa” e depois imagens pornográficas e dizeres tipo “mulheres são prostitutas”. “Decidimos sair porque isto não é um ambiente seguro, e conseguimos criar outro link”, conta. “Foi bem chato, ficou um clima pesado, mas todas tiveram consciência que aconteceu justamente pela temática que estávamos tratando”. Caracteriza o sucedido como “ataque misógino antes de tudo, pelo conteúdo”, mas também “racista com intuito de silenciar”.

Meses antes do ataque ao debate do Camões, Joana Cabral, também do SOS Racismo, conta que estava a participar num debate sobre racismo e xenofobia com uma lista candidata à associação de estudantes da mesma faculdade de Rebeca quando os ecrãs começaram a ser “completamente invadidos: “Era impossível de controlar.” Apareceram imagens de Hitler, insultos, “uma coisa troglodita e muito hostil: “Tinha muitas vocalizações agressivas, um discurso agressivo em relação aos negros. Percebe-se que era um ataque concertado, durou bastante tempo. Eram dezenas, até que se decidiu suspender.”

Na altura, por estar num momento exigente da sua vida pessoal, Joana Cabral não fez queixa. Mas foi um “ataque planeado, com estratégia e recursos” — tinham as imagens e músicas preparadas, e eram bastantes pessoas, garante. “Agora faz sentido olhar para estes acontecimento como algo maior, com estratégia”, afirma. 

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