A epopeia da BIG ilustra-se, este ano, no feminino

A Bienal de Ilustração de Guimarães regressa de 23 de Outubro a 31 de Dezembro. A cenógrafa Cristina Reis recebe o Prémio Carreira desta edição, que quer romper barreiras entre géneros. Por isso, dez ilustradoras reinterpretarão Os Lusíadas.

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O cartaz da edição deste ano é de André Letria DR

Na Epopeia de Homero, Penélope desfazia à noite o que tecia durante o dia, para adiar uma escolha, na esperança do regresso de Ulisses. No teatro, o trabalho de uma cenógrafa, “muito completo e difícil, quantas vezes doloroso”, também é desfeito quando um espectáculo conhece o seu fim. E Cristina Reis, cenógrafa “de uma vida inteira” do Teatro da Cornucópia, “é uma Penélope”, disse esta tarde Tiago Manuel, o director artístico da Bienal de Ilustração de Guimarães (BIG), na apresentação do evento. Esse “trabalho de grande humildade, que não vai ficar na parede dos museus”, será destacado na BIG de 2021, com a atribuição do Prémio Carreira a Cristina Reis.

Outro poema épico marcará a edição deste ano, que decorrerá entre 23 de Outubro e 31 de Dezembro. Desta vez, a BIG propõe que se olhe a herança cultural portuguesa e europeia, “sempre marcadas pelas religiões e pelo homem”, através da perspectiva feminina. Guimarães vai reler Os Lusíadas “com olhos de outras pessoas que não as habituais, por força da História”: dez ilustradoras reinterpretarão os dez cantos da obra de Luís de Camões, empenhando-se na “fixação” do poema “para a linguagem moderna”. A obra, que será adquirida pela Câmara Municipal de Guimarães, será editada num volume direcção literária de Rita Marmoto e as respectivas ilustrações serão mostradas numa exposição com curadoria do artista plástico António Gonçalves. Tiago Manuel acredita que esta reinterpretação da obra marcará “o país e a Europa”: “Talvez nos próximos anos consigamos ver países europeus a ilustrarem grandes clássicos por mulheres.”

Tudo isto reflecte o objectivo da BIG para 2021: romper com a “barreira entre homens, mulheres e géneros” para “falar de pessoas”. Tal também pesou na atribuição do Prémio Carreira, no valor de dez mil euros, “que visa premiar artistas que tiveram uma obra marcante, mas transversal a vários saberes” e que estenderam a sua influência “por várias gerações”. Apesar de ser possível encontrar no passado recente “mulheres artistas com vidas muito longas”, Tiago Manuel lembra que a “sociedade vivia afastada da arte das mulheres”. “É altura de homenagear esta grande artista”, afirmou. À semelhança do que aconteceu nas duas edições anteriores com os vencedores deste prémio, a bienal organizará uma exposição dedicada à obra de Cristina Reis, que também será assunto de uma conferência inserida na programação da BIG.

Já o concurso para o Prémio Nacional BIG, no valor de cinco mil euros, “que tem como objectivo dignificar o trabalho profissional dos ilustradores”, como anunciou Rui Ramos, director técnico da bienal, estará aberto até 31 de Maio. Os autores seleccionados para o concurso verão os seus trabalhos expostos em vários espaços da cidade. Também será atribuído o Prémio Revelação (mil euros) e cinco Prémios BIG Aquisição para outros tantos autores (500 euros cada). Estas escolhas caberão ao júri que este ano é composto por Joana Rêgo, Hélder Dias e André Letria, vencedor do Prémio Nacional BIG 2019 e responsável pela imagem da bienal deste ano. Na mesma edição, o Prémio Carreira foi atribuído a Jorge Silva, ilustrador, designer, director de arte (tendo passado pelo PÚBLICO), comissário de exposições, professor, investigador e coleccionador. O evento aconteceu pela primeira vez em 2017. Nesse ano, João Fazenda venceu o prémio principal.

A BIG 2021 também se pautará pelo regresso à normalidade — mas nunca “por uma repetição da receita” das edições anteriores” —, do ponto de vista do “reencontro” e do “ritual cultural”. Por isso, e como já tem sido habitual, estará de volta o ciclo de palestras Teia da Ilustração, que tem como público-alvo os estudantes dos ensinos secundário e superior. Os convidados deste ano são o cantor Sérgio Godinho, a jornalista Sara Figueiredo Costa e João Ramalho Santos, professor catedrático na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra e crítico de ilustração e banda desenhada.

Regressam ainda as Oficinas da Ilustração, que acontecerão em várias escolas do concelho vimaranense. Para Adelina Paula Pinto, vereadora da Cultura e vice-presidente da Câmara Municipal de Guimarães, estas oficinas reforçam a “a perspectiva educativa” que o território tem como “matriz”, levando a arte às crianças e jovens que estudam no concelho. 

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