Ao fim de 60 anos, o Bairro dos Pescadores, em Matosinhos, vai finalmente ter obras

A empreitada arranca na segunda-feira e estará terminada daqui a um ano. Grande parte do bairro já não é camarário. Objectivo é que esta fase sirva de projecto-piloto e crie efeito de contágio para os privados.

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Adriano Miranda

Foi construído há quase 60 anos e desde essa altura que nunca foi alvo de qualquer remodelação. Mas agora há uma luz ao fundo do túnel para os moradores do Bairro dos Pescadores de Matosinhos, que a partir de segunda-feira vão ver arrancar num dos blocos o início das obras de requalificação do conjunto habitacional que há muitos anos espera por uma intervenção. O auto de consignação da empreitada, orçada em 960 mil euros, foi assinado nesta sexta-feira pela autarquia. Daqui a 12 meses, um dos edifícios da urbanização estará renovado. 

A obra de arquitectura foi entregue a Carlos Coelho. Para o ajudar serviram as conversas que foi tendo com os moradores do bairro. Destaca-se uma exigência pedida por quem ali mora: “Que o bairro continue a ser pensado para os seus moradores”.

Esta garantia foi defendida pelo presidente da Associação de Moradores do Bairro dos Pescadores (AMBP), Israel Cartucho. “Este bairro ainda foi inaugurado pelo Almirante Américo Tomás, em 1964. Desde então poucas ou nenhumas obras foram feitas. Nada”, sublinha.

As únicas parcelas que foram intervencionadas foram “por conta dos proprietários”. A maioria dos fogos é desde há alguns anos propriedade de privados. Só uma parte ainda é camarária. Serve este primeiro lanço de obras também como forma de contágio para os moradores de outros edifícios, que sejam donos dos apartamentos, adianta a autarquia. O objectivo é que os moradores proprietários sigam o mesmo exemplo. Para isso terão a possibilidade de se apoiarem no programa de habitação 1º Direito, em vigor desde 2018, para apoiar a promoção de soluções habitacionais para pessoas que vivem em condições habitacionais indignas e que não dispõem de capacidade financeira para suportar o custo do acesso a uma habitação adequada. 

Conservar as origens

Por agora, a obra que arranca na segunda-feira diz respeito ao bloco J. “É o que tem mais habitações camarárias”, esclarece Israel Cartucho. Considera este primeiro passo muito importante para o que virá a ser o futuro do bairro. Mas não o considera “a cereja no topo do bolo”. “Só será quando as obras terminarem”, atira.

“[Desde que o bairro foi inaugurado] ficou exactamente com as mesmas características, com as mesmas acessibilidades. Mas estamos no século XXI e a comodidade já não é a mesma. Os blocos deixaram de ter luz e o vandalismo começou a ganhar terreno. O bairro passou quase a ser um ghetto”, resume o responsável pela associação, que há muito reivindica uma intervenção, mas não a qualquer custo.

“Queremos que o bairro continue a ser dos moradores. Não queremos um bairro com micro-empresas e essas coisinhas todas”, defende. “Não vamos abdicar de nada do que ficou inscrito no caderno de encargos”, sublinha, com a nota de que por agora nada tem a apontar ao diálogo que foi encetado com a câmara e com o arquitecto responsável por garantir que se conservam as raízes ligadas ao mar.  

Em 2018, a autarquia candidatou-se a um programa da União Europeia com vista a obter fundos para a reabilitação do bairro - o valor desejado ascendia a 5 milhões de euros. A presidente da câmara. Luísa Salgueiro, garantiu à data que se a candidatura não fosse aprovada a requalificação avançaria na mesma com recurso ao orçamento da câmara. A candidatura não passou à fase final de aprovação e a obra, como assumido na altura, avança na próxima semana, mas adaptada ao orçamento disponível. 

Adianta a autarquia que as obras vão passar por intervenções ao nível das paredes exteriores, da cobertura e da substituição de todos os vãos exteriores. No exterior, será reabilitada e requalificada toda a área envolvente, sobretudo através da execução de pavimentos novos e respectivas infra-estruturas, assim como das partes ajardinadas. 

A nível mais global, o projecto passará pela regeneração urbana, em prol de uma “mobilidade sustentável”. Para isso serão desenhados novos canais viários e pedonais afectos e adjacentes ao bairro.

A AMBP aguarda também para breve que fiquem disponíveis as hortas comunitárias projectadas para o bairro. “Ficou prometido e já está em concurso público”, afirma Israel Cartucho, que sublinha a importância das mesmas para os moradores: “O bairro continua a ser habitado sobretudo por gente do mar. Com a pandemia e com o défice de procura de pescado e com a descida dos preços há muita gente a passar dificuldades sérias. As hortas comunitárias são muito importantes para aliviar o orçamento familiar de muita gente”.

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