Novo Plano Europeu para Vencer o Cancro já inclui as lições da pandemia

Comissão Europeia divulgou esta quarta-feira a sua nova “abordagem integrada e multidisciplinar” para combater o cancro. Há quatro mil milhões de euros para acções concretas, e metas tangíveis para a prevenção, diagnóstico, tratamento e sobrevivência dos doentes.

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A comissária europeia Stella Kyriakides durante a apresentação do plano de combate ao cancro na Europa LUSA/KENZO TRIBOUILLARD / POOL

Como aconteceu com muitos diagnósticos e tratamentos, atrasados por causa da pandemia, também a apresentação do Plano Europeu para Vencer o Cancro, que era o grande projecto e prioridade política da Comissão Europeia na área da saúde, teve de ser adiada enquanto as atenções se concentravam na resposta à crise do coronavírus. Mas esta quarta-feira, na véspera do Dia Mundial do Cancro, o plano viu finalmente a luz do dia.

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Como aconteceu com muitos diagnósticos e tratamentos, atrasados por causa da pandemia, também a apresentação do Plano Europeu para Vencer o Cancro, que era o grande projecto e prioridade política da Comissão Europeia na área da saúde, teve de ser adiada enquanto as atenções se concentravam na resposta à crise do coronavírus. Mas esta quarta-feira, na véspera do Dia Mundial do Cancro, o plano viu finalmente a luz do dia.

O executivo comunitário reservou quatro mil milhões de euros para financiar acções destinadas a melhorar a prevenção, diagnóstico, tratamento e sobrevivência de doentes, e fixou “metas tangíveis” tanto para reduzir o consumo de tabaco, bebidas alcoólicas e carnes vermelhas que contribuem para elevar o risco de cancro, como para alargar a cobertura da vacina contra o HPV ou do acesso aos exames de rastreio dos cancros da mama, colo do útero e colorrectal.

Segundo resumiu o vice-presidente da Comissão, Margaritis Schinas, responsável pela Promoção do Modo de Vida Europeu, a diferença deste plano é que assenta numa “nova abordagem transversal e multidisciplinar”, que além da dimensão médica e científica, integra intervenções nos domínios do emprego e política social, fiscalidade, educação, agricultura, ambiente e transportes. E naturalmente, comparando com o anterior exercício, que remonta à década de 90, esperam-se resultados muito melhores, graças à exploração e “maximização” das potencialidades oferecidas pelas novas tecnologias, investigação e inovação, acrescentou.

A comissária europeia da Saúde, Stella Kyriakides, socorreu-se dos números para defender a oportunidade — e principalmente a urgência — deste novo plano europeu. Em 2020, 2,7 milhões de pessoas foram diagnosticadas com cancro, e 1,3 milhões morreram da doença na União Europeia (que apesar de conter um décimo da população mundial representa um quarto dos casos de cancro). As perspectivas são tudo menos animadoras: estima-se que dentro de 15 anos, os casos de cancro aumentem 25%, fazendo desta doença a principal causa de morte na UE.

“Sabíamos que tínhamos que fazer mais e que tínhamos que fazer melhor”, declarou Kyriakides, que não tem a mínima dúvida de que as acções previstas terão um impacto significativo nas perspectivas de milhões de doentes, mas também farão toda a diferença na vida quotidiana dos 12 milhões de sobreviventes de cancro da UE, “que têm de ter garantias de uma vida com qualidade, livre de obstáculos, desigualdades e discriminação”, como enfrentam actualmente na sua inserção no mercado laboral ou na sua relação com o sistema financeiro, criticou.

Além do “profundo sofrimento físico e emocional” que o cancro provoca nos doentes e aqueles que os rodeiam, a doença “coloca um fardo pesado sobre os sistemas de saúde e sobre a economia”, assinalou ainda Kyriakides — as estimativas apontam para um impacto económico anual acima dos 100 mil milhões de euros. Este quadro negativo foi exacerbado pelo aparecimento do novo coronavírus. “A pandemia atrasou diagnósticos, interrompeu tratamentos e afectou o acesso a medicamentos. Também teve um impacto profundo no acompanhamento dos pacientes e na sua qualidade de vida”, admitiu a comissária.

A experiência concreta da pandemia e do seu impacto na fileira oncológica levou a Comissão a incluir várias acções concretas no plano de combate ao cancro: reforço da coordenação, estabelecimento de parcerias e foco nos grupos mais vulneráveis, através da integração da telemedicina e da vigilância remota de pacientes. Mas a principal “lição” tem a ver com a necessidade de desenvolver planos de contingência operacionais, para ter a resposta afinada em caso de novos surtos no futuro.

Nesse capítulo, está previsto o lançamento de um novo centro europeu de conhecimento no domínio do cancro, UNCAN.eu, uma plataforma que funcionará em rede e permitirá a troca e partilha de informação técnica e científica e o desenvolvimento de estudos que permitam identificar os indivíduos que apresentam riscos mais elevados de desenvolver os cancros mais comuns ao nível da UE. Outra novidade é a iniciativa europeia de imagiologia oncológica, que vai apoiar soluções inovadoras e novas ferramentas digitais para “melhorar a medicina personalizada”.

Cancro pediátrico

A Comissão também quer facilitar a detecção, diagnóstico e tratamento do cancro pediátrico, e para isso vai lançar uma iniciativa chamada “Ajudar as crianças com cancro” a ter um acesso mais rápido e diferenciado aos cuidados médicos de que necessitam.

Em comunicado, a associação portuguesa de pais e amigos de crianças com cancro Acreditar, saudou a inclusão do cancro pediátrico no plano europeu, considerando que “poderá ter impacto na consagração dessa temática dentro dos planos oncológicos nacionais” e “uma influência decisiva no investimento a fazer nessa área” — que depois se manifestará na qualidade da sobrevivência dos doentes.

Como lembra a associação, em Portugal há cerca de 400 novos casos de cancro infantil por ano, e a taxa de sobrevivência é de 80%. “As sequelas dos sobreviventes pediátricos afectam 50% desta população, e desses, dois terços têm efeitos graves”, diz a Acreditar.

No que diz respeito à prevenção, no plano europeu são enumeradas várias campanhas e iniciativas de promoção de hábitos saudáveis e redução de consumo de substâncias identificadas como factores de risco de cancro, com objectivos quantitativos associados. Por exemplo, para se conseguir que o consumo de tabaco fique circunscrito a uma parcela inferior a 5% da população até 2040, propõe-se a revisão de várias directivas para apertar a regulação ou aumentar os impostos que incidem sobre esses produtos, e ainda a generalização das recomendações para a restrição do consumo (proibição de venda a menores, restrições à publicidade ou promoção de ambientes livres de fumo).

Medidas idênticas foram desenhadas para diminuir o consumo de álcool (a Europa tem os níveis mais elevados de consumo de bebidas alcoólicas do mundo e os cancros associados a esse consumo são uma das “principais preocupações”, apontou a Comissão), de bebidas açucaradas, carne vermelha, sal, grãos refinados e alimentos processados. Estas medidas permitirão reduzir o risco de cancro e de doenças cardiovasculares, diabetes, e a taxa de mortalidade.

Por último, Bruxelas propõe criar, ainda este ano, um novo registo das desigualdades no domínio do cancro. Segundo a comissária da Saúde, “infelizmente ainda existem muitas disparidades no acesso e na qualidade dos cuidados médicos entre os diferentes Estados-membros e entre as diferentes regiões de um mesmo país”.