Uma réstia de calma no meio da tempestade

No auge da pandemia que nas últimas semanas expôs as fragilidades do Governo a quem tem dado a mão sem reservas, Marcelo passou incólume, reforçou a sua votação face a 2016 e prepara-se um segundo mandato com mais poder.

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Daniel Rocha

As leituras periféricas dos resultados deste domingo revelam uma profunda mudança política em Portugal. Mas não dispensam a prioridade do essencial: a notável vitória de Marcelo Rebelo de Sousa. Num momento em que o país vive o seu pior período em décadas, num tempo propício ao ressentimento e ao protesto, Marcelo consegue captar os votos de quase dois em cada três eleitores em Portugal. No auge da pandemia que nas últimas semanas expôs as fragilidades do Governo a quem tem dado a mão sem reservas, Marcelo passou incólume, reforçou a sua votação face a 2016 e prepara-se um segundo mandato com mais poder para o exercício da sua magistratura de influência.

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As leituras periféricas dos resultados deste domingo revelam uma profunda mudança política em Portugal. Mas não dispensam a prioridade do essencial: a notável vitória de Marcelo Rebelo de Sousa. Num momento em que o país vive o seu pior período em décadas, num tempo propício ao ressentimento e ao protesto, Marcelo consegue captar os votos de quase dois em cada três eleitores em Portugal. No auge da pandemia que nas últimas semanas expôs as fragilidades do Governo a quem tem dado a mão sem reservas, Marcelo passou incólume, reforçou a sua votação face a 2016 e prepara-se um segundo mandato com mais poder para o exercício da sua magistratura de influência.

À margem desta certeza incontestável, tudo o resto configura um cenário político propenso a reconfigurações ou a destruições criativas. André Ventura multiplicou por sete a votação da direita anti-sistema em pouco mais de um ano e com esta façanha foi capaz de desestabilizar quer a direita, quer a esquerda. Mesmo que se exija cuidado na extrapolação destes resultados para as legislativas, o facto de Ventura ter conquistado o segundo lugar na maioria dos distritos do país torna-o uma força temível, capaz de abalar o PS, de comprometer as pretensões hegemónicas do PSD e minar a sobrevivência do CDS. Mas a leitura do mapa eleitoral mostra também que o seu populismo é eficaz para atrair o eleitorado mais à esquerda.

Se nas legislativas de 2019 se vislumbraram sinais de um tempo novo na política nacional, as presidenciais de 2021 confirmaram essa mudança. Nada será como antes. O discurso intolerante e daninho de André Ventura provou ser atractivo para quase 500 mil portugueses exaustos pela pandemia e ameaçados por uma grave crise económica e social. Ficou igualmente provado que a estratégia de Marisa Matias ou de Ana Gomes em combater Ventura no terreno do proibicionismo não funciona. O radicalismo alimenta o radicalismo.

É aqui que vale a pena regressar a Marcelo. O candidato que responde ao extremismo com tolerância e moderação. Que combate com a lucidez da razão os seus preconceitos. Que sugere perceber que não há mais de 490 mil portugueses “fascistas”, antes cidadãos cujo ressentimento importa entender e de cujos problemas é indispensável cuidar. Haver um candidato anti-sistema com 12% dos votos só não é uma notícia ainda mais dramática por causa de Ana Gomes. Mas não a transformemos numa fatalidade. Recordemos antes os versos de Manuel António Pina: “Ainda não é o fim/ nem o princípio do Mundo/ calma/ é apenas um pouco tarde.”