Zona franca: proposta do PSD chumba, Governo tem iniciativa a caminho

Parlamento rejeitou iniciativa para prorrogar regime por três anos. Recomendação do PAN para o Governo fazer uma avaliação de custo-benefício da zona franca também chumbou.

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O regime da ZFM permite um IRC de 5% até 2027, em função de determinados requisitos Andreia Gomes Carvalho

O PS, o BE, o PCP, o PAN, os Verdes e as deputadas não-inscritas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues chumbaram nesta sexta-feira uma proposta do PSD para prolongar o regime fiscal da Zona Franca da Madeira (ZFM) por mais três anos, sem quaisquer alterações em relação às regras actuais.

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O PS, o BE, o PCP, o PAN, os Verdes e as deputadas não-inscritas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues chumbaram nesta sexta-feira uma proposta do PSD para prolongar o regime fiscal da Zona Franca da Madeira (ZFM) por mais três anos, sem quaisquer alterações em relação às regras actuais.

A iniciativa do grupo parlamentar dos sociais-democratas acabou por ser rejeitada, pois só contou com os votos a favor do próprio PSD, do CDS, do Chega e da Iniciativa Liberal.

O chumbo abre espaço à entrada no Parlamento de uma iniciativa do Governo de António Costa, que já fez saber que apresentará uma proposta para prorrogar o actual regime fiscal por um ano, mas com alterações às regras.

O objectivo passa por corrigir as ilegalidades encontradas pela Comissão Europeia, pois Bruxelas detectou que os benefícios fiscais de IRC têm sido atribuídos sem haver um controlo dos requisitos exigidos em termos de criação e manutenção dos postos de trabalho efectivos no arquipélago.

Embora a investigação da Comissão se centre no chamado regime III, o modelo fiscal que se seguiu — aquele que o PSD queria prolongar sem mudanças — baseia-se nesse e não afasta o problema identificado por Bruxelas.

O PAN não conseguiu ver aprovado, na totalidade, um projecto de resolução que recomendava o Governo a fazer uma avaliação de custo-benefício do impacto “económico, social e fiscal” da ZFM. A parte da resolução que pedia essa análise foi chumbada com os votos contra do PSD, do CDS e do Chega, e a abstenção do PS e do BE (só votaram a favor o próprio PAN, o PCP, os Verdes, a Iniciativa Liberal e as duas deputadas não inscritas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues).

O PAN só conseguiu ver aprovado, com a abstenção do PS, BE e CDS e os votos a favor das restantes bancadas e deputadas não inscritas, um ponto dessa resolução que incentiva o Governo a adoptar “mecanismos de combate eficaz ao branqueamento de capitais e aos fenómenos de fraude, evasão e elisão fiscal assentes em paraísos fiscais”.

IRC de 5% até 2027

O regime IV abarca as entidades licenciadas na ZFM desde 2015 até 31 de Dezembro deste ano, com um IRC de 5% e outros incentivos até 2027 (em função de determinados requisitos). O benefício é relativo aos lucros resultantes de actividades realizadas na Madeira, com limites que variam em função do número de empregos criados ou mantidos em cada ano.

O Governo quer prorrogar o regime apenas até 31 de Dezembro de 2021, em vez de ir até 2023, porque a Comissão Europeia permite que os auxílios estatais com finalidade regional, como é o caso da ZFM, sejam estendidos por um ano, tal como foi decidido em Espanha relativamente à Zona Especial Canária.

Ao investigar o regime fiscal III — o que se aplica a empresas licenciadas entre 2007 a 2014, com uma redução do IRC e outros benefícios até Dezembro de 2020 —, Bruxelas percebeu que Portugal não fez um controlo eficaz, não distinguindo entre empregos criados dentro e fora da região, nem mesmo fora de Portugal e da União Europeia.

A proposta do PSD tinha sido apresentada antes de a Comissão Europeia confirmar, a 4 de Dezembro, que Portugal aplicou esse regime de uma forma que constitui um “auxílio ilegal”, embora as conclusões preliminares, conhecidas em 2018, já apontassem nesse sentido.

Ajudas por recuperar

O regime III foi aprovado em Bruxelas mediante determinadas condições. A Comissão associou o montante do auxílio ao número de postos de trabalho criados ou mantidos na Madeira e definiu que os lucros aos quais se poderia aplicar a redução de IRC tinham de resultar de actividades efectivamente realizadas na região.

Mas, ao fazer a sua fiscalização, concluiu várias irregularidades que vão obrigar o Estado português a ir recuperar junto das empresas os auxílios concedidos indevidamente para os casos em que receberam mais de 200 mil euros anuais.

Bruxelas detectou que “o número de postos de trabalho tidos em conta por Portugal para o cálculo do montante do auxílio ao abrigo do regime incluía postos de trabalho criados fora da Zona Franca da Madeira e mesmo fora da UE” e que os empregos a tempo parcial foram considerados a tempo integral e os membros do conselho de administração “foram contados como trabalhadores em mais do que uma empresa beneficiária do regime, sem haver recurso a um método de cálculo adequado e objectivo”.

Ao mesmo tempo, “os lucros que beneficiaram da redução fiscal não se limitavam aos lucros relacionados com actividades efectiva e materialmente realizadas na Madeira”.

Como o modelo actualmente em vigor, o regime IV, se baseou no III e a questão relativa aos postos de trabalho é semelhante, o Governo quer aproveitar o facto de o quarto regime estar a terminar para, decidindo a sua prorrogação, alterar a lei de forma a evitar que o problema se repete.

Essa mudança não interfere com a obrigação de o Estado português ir corrigir as ilegalidades do regime III, pois Bruxelas dá oito meses a Portugal para ir recuperar os auxílios ilegais às empresas que beneficiaram de uma redução de IRC de forma indevida.

Apesar de o Governo estar a ir agora ao encontro das preocupações da Comissão Europeia, ao longo do processo de investigação contestou a posição do executivo comunitário relativamente à forma como os postos de trabalho deveriam ser contabilizados, chegando a afirmar (segundo revelou a Comissão) que “o objectivo principal do regime ZFM aprovado não era a criação de emprego ou compensar custos salariais [acrescidos das empresas por estarem numa região ultraperiférica], mas sim a promoção da coesão económica, social e territorial numa região ultraperiférica através da modernização e diversificação da sua economia”.​

Como região ultraperiférica, a Madeira é elegível para os auxílios regionais. Bruxelas não coloca em causa esse estatuto, entende é que o regime tem de ser aplicado em conformidade com as condições definidas, para a sua prática ser compatível com as regras europeias de concorrência no mercado interno.