Palavras vazias em letras Maiúsculas*

Almaraz, com todos os problemas que denunciámos, deve encerrar para segurança de todos nós. Mas é em relação às minas de urânio em Retortillo, junto à fronteira e na bacia do Douro, que neste momento devemos exigir explicações. À beira da realização de uma nova cimeira ibérica, as conversas entre Portugal e Espanha não podem ficar pelo título.

À beira da realização de uma nova cimeira ibérica, as conversas entre Portugal e Espanha não podem ficar pelo título. Há uma pletora de assuntos e temas e de problemas que devem ser “acordados” exaustivamente.

Temos que discutir as redes, temos que articular a ideia, ideia mesmo, do hidrogénio, temos que falar da água que corre entre nós e das alterações climáticas também. Temos que agregar os nossos territórios de baixa densidade, todo o nosso interior e a Espanha vazia, temos que discutir modos de transporte inovadores.

Mas não podemos esquecer a nuclear que nos ameaça, não esquecemos Almaraz “y outras mas”, nem Retortillo, nem o cemitério de resíduos.

1. E se em relação a Almaraz, conforme temos explicado:

a) o Conselho de Segurança Nuclear (Espanha), como lhe competia, impôs uma séria de condições, alterações, constrangimentos e imposições para prolongar por seis anos a vida das centrais, no âmbito de uma decisão pactuada de encerramento.

 b) Face a essas condições e aos custos elevados que tal implicava, algumas das empresas comunicaram que não estavam interessadas em continuar.

 c) O governo de Madrid, todavia, revelou-se implacável, no quadro da política energética do Estado e da necessidade de manter o abastecimento em base, e manter o calendário de encerramento das centrais térmicas a carvão (as empresas são as mesmas, cá dizem que são renováveis!), e nesse quadro global Almaraz já em fim de vida vai prolongar-se.

Esta é a situação, mas não deve o nosso Governo abandonar (como abandonou em relação ao A.T.I. donde resulta, também, esta situação, como então avisámos) a pressão, num quadro global onde é, de facto, possível encerrar as nucleares como inicialmente previsto, desenvolvendo as renováveis e aumentando a eficiência. Almaraz, com os problemas que denunciámos e que, mesmo com os investimentos, continuam, deve encerrar para segurança de todos nós. O nosso Governo não pode deixar de insistir nos exercícios de emergência e de protecção em caso de acidente, porque o risco aumenta na relação anos de vida/deterioração dos materiais.

E Portugal deve manter a exigência e responsabilizar Espanha pelo seguimento de uma central em fim de vida.

2. É, todavia, em relação às minas de urânio em Retortillo, junto à fronteira e na bacia do Douro, que neste momento devemos exigir explicações.

Tivemos de enfrentar Sayago, onde as infra-estruturas de uma nuclear já estavam feitas, e também Aldeavila de la Ribera, onde queriam afundar os resíduos altamente radioactivos. Ganhámos, ganharam as populações e o Douro, onde temos património da Humanidade!

Pois hoje, insidiosamente, estamos na iminência de outro desastroso empreendimento com produção de alta actividade radioactiva. A mineração de urânio em Retortillo a céu aberto, a escassos quilómetros da fronteira, sobre um afluente do Douro (Património!) era muito, muito perigosa.

Esta mina só se viabiliza com uma fábrica de concentrados, de enriquecimento associada, dado o baixo teor de uranite, que implicará toneladas de rocha a ser lixiviada e com muitos químicos. Esta geraria, no processo industrial, resíduos altamente radioactivos. É em relação a todo o processo, mas sobretudo em relação aos subprodutos da separação e concentração, que estamos preocupados, muito preocupados.

O nosso Governo deve inquirir e garantir que há resposta. Para onde irão esses resíduos? E como serão tratados?  E onde irão ser depositados os resíduos da separação e da produção de concentrados de Retortillo? Qual é a proposta que é feita pela empresa mineira Berkeley?

Qual a segurança dessa, e o isolamento do local previsto? Será in loco? E se for no local de mineração, onde? Onde? Nos poços? Em valas? E o isolamento? E a contaminação?Ou serão transportados para outros locais em Espanha? Quais, onde, como?

Estas são as questões de um milhão que a empresa, de capitais financeiros, que como sabemos tem comprado isto e aquilo, mas não tem horizonte de mercado para o produto, mesmo com o processo fabril associado, tem que responder e o Governo espanhol tem que nos informar. Esta não é possível descartar!

3. Finalmente, deve o nosso Governo desde já inquirir, não nos vá, outra vez, cair-nos na sopa, o que se passa com os planos de armazenamento dos resíduos radioactivos em Espanha, depois do fracasso do cemitério nuclear de Cuenca (em terreno geologicamente instável... mas essa foi outra estória!). Quais são os planos e projectos de armazenar os resíduos, sabendo que os A.T.I. duram a vida das centrais? É um problema ibérico, sim! Os riscos e ameaças da nuclear não respeitam fronteiras. É necessário prever onde, em que condições e qual o enquadramento para a ubicação, a instalação do cemitério final, também para os desmantelamentos. Esse cemitério terá que ser para o infinito.

E esse, também, é desconhecido.

*Título picado de Simone Weil

António Eloy, Escritor, coordenador do Observatório Ibérico Energia
Pedro Soares, Ex-presidente da Comissão Parlamentar de Ambiente, Docente Universitário
José Mazon (Chema), Filósofo, Engenheiro, responsável pela área de Energia da ADENEX

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