“Estar na água, sentir aquela ansiedade... é disso que eu tinha saudades”

Frederico Morais venceu a prova na Ericeira e confessa-se feliz por voltar a competir.

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Frederico Morais (Kikas) Créditos: Henrique Casinhas

Voltar a acordar cedo. Chegar à praia de noite, pouco antes do amanhecer. Sentir a adrenalina do heat, muitas vezes frente ao amigo, que ali se faz rival. Voltar à praia. Voltar a sentir o apoio do público, mas à distância, claro. Voltar a vestir a licra, não sem antes medir a temperatura. Regras novas, mas sentimentos antigos. E tão saudosos.

Foi assim para Frederico Morais (Kikas), que conquistou o MEO Portugal Cup of Surfing. No pódio, os vencedores. No rosto, um sorriso escondido pela máscara. À sua frente, só jornalistas e patrocinadores. Os fãs, ficaram lá fora, mas na verdade, muito mais importante do que esta conquista, foi outra: a de poder voltar à competição, já a pensar na época que aí vem.“Estar na água, sentir aquela ansiedade, acordar cedo, voltar às rotinas de competição, é disso que eu tinha saudades”, começa por confessar Kikas. “Adoro surfar e sou um apaixonado pelo surf, mas dentro dessa paixão, a competição tem um peso muito forte. E já estamos há bastantes meses sem competir”, acrescenta.

Embora se tenha tratado de um evento especial das WSL Countdown Series, o objectivo era que servisse de preparação para a temporada 2021. E como tal, tinha de ter alguns dos melhores: “Voltar a estes eventos, ainda para mais com grandes surfistas: o Jadson [André], o Ítalo [Ferreira], o Kanoa [Igarashi], o Aritz [Aranburu], o Vasco [Ribeiro], o Ramzi [Boukhiam]... vários nomes sonantes do WQS e do WCT... Poder competir a este nível outra vez é óptimo”, admite o surfista do Guincho, enumerando os oponentes que encontrou em Ribeira d’Ilhas.

Entre eles estava o campeão do mundo, que Kikas bateu na final. Fez apenas três ondas ao longo dos 35 minutos da bateria, e ainda assim levou a melhor sobre Ítalo Ferreira. Mas sobre o brasileiro de 26 anos, Frederico só tem elogios a fazer: “É um óptimo surfista, o tipo de surf dele e o tipo de competidor que ele é torna os heats muito difíceis, porque ele pode virar o heat a qualquer momento, com qualquer onda. Ele na verdade não precisa de uma onda com grande potencial para fazer um ‘score’ excelente. Por isso, claro que, num heat com o Ítalo, nunca estou seguro, e sabemos que são sempre heats muito complicados. Felizmente, consegui gerir bem, encontrar as melhores ondas e sair vitorioso”, explica o surfista de 28 anos.

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Créditos: Henrique Casinhas

Vencer. É esse o objectivo de Kikas sempre que entra em prova. Mas esse sentimento, a adrenalina de competir, esteve ausente tempo demais. Quando em Março foi declarada a quarentena teve, tal como todos, de ficar longe das ondas. Mas assim que pôde voltou à praia. “Estive fechado em casa, sem surfar. Depois, quando já era possível sair, voltei a surfar e a treinar. E entretanto, para não perder o ritmo, fui ter com o Richard [“Dog” Marsh], o meu treinador, a França. Foi óptimo, estive uma a duas semanas a surfar lá”.

Por cá, e assim que o campeonato nacional retomou, Kikas aproveitou para voltar à competição. “Foi muito bom para manter o surf no pé, competir, para manter a forma. Ter aquelas rotinas de competição. Surfar por surfar é uma grande paixão, mas já tinha saudades disso”, confessa.

A pandemia da Covid-19 afectou muitos desportos. Fez parar campeonatos nas mais variadas modalidades. O surf não foi excepção. E por isso, e também tendo em conta o que aí vem, Kikas mantém o receio: “Há um grande risco para quem compete. Suponhamos que algum de nós testa positivo para a Covid-19 e não pode competir durante ‘x’ etapas. No fim do ano corremos o risco de sair do World Tour. Se isso acontecer a um atleta da F1, do MotoGP, não sai da competição. Esse é para mim o grande risco, o grande senão, há muito a perder: falamos de contratos, de carreiras. Mas acredito que a WSL tem isso tudo em cima da mesa e está a contemplar tudo. Até agora têm tomado as melhores decisões a pensar nos surfistas e isso é o mais importante”, elogia Kikas.

Para o ano que aí vem, há algumas alterações. Uma delas a data da etapa portuguesa. Os melhores surfistas do mundo regressam à competição no final do ano, em Pipeline, Oahu. Dois meses depois, em Fevereiro, rumam a Peniche. “Penso que é uma óptima alteração. Por norma, Supertubos, durante o Inverno, tem condições épicas. A probabilidade de apanharmos condições épicas é muito maior em Fevereiro do que em Outubro [a data anterior]. O único senão é que é bem mais frio [risos], mas faz parte, queremos é apanhar boas ondas”, diz.

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Créditos: Henrique Casinhas

Apanhar boas ondas e passar uma mensagem. Nesta etapa em Ribeira d’Ilhas, o prize-money foi doado à Fundação Oceano Azul, da qual Frederico Morais é “Ocean Leader”, ou seja, embaixador: “À medida que vamos viajando e vendo as praias, o lixo e o pouco cuidado que há, vamos pensando cada vez mais nisto. O mar e a praia são a nossa casa, o nosso trabalho, onde mais gostamos de estar. Para ser honesto, como surfista não há pior que surfar uma água suja, cheia de plástico. O mar é das coisas mais bonitas que temos... E temos de o preservar. Poder juntar uma causa que eu gosto, que me sinto confortável em abraçar, que vai de encontro aos meus valores, poder fazer isso de coração aberto e juntar isso ao meu trabalho que é o surf, acho que era o mais certo. Assim, posso chegar às pessoas e sensibilizá-las. Só todos juntos conseguimos fazer a diferença.”

E será pelo mundo, enquanto o único surfista português a competir no mundial, que Kikas vai levar a mensagem. Para já, vai pensando no próximo destino, antes do arranque da época, não sem antes marcar presença na última etapa do campeonato nacional, que acontece entre 15 e 17 de Outubro, em Cascais. “Não quero faltar, quando o título nacional está em disputa. Até lá, fico por cá a treinar. Depois começa o Inverno, começamos a ter boas ondas aqui em Portugal, penso em ir até à Madeira, Indonésia... E mal confirmem a 100% o arranque da temporada, é ir para o Havai e começar a treinar e preparar o início da época”, conclui Frederico Morais.

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